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18/12/19 - A pseudoReforma Tributária da PEC-45

A pseudoReforma Tributária da PEC-45

 

A aprovação da Reforma da Previdência em 2019 foi um passo decisivo, porém, ainda insuficiente para garantir equilíbrio financeiro à máquina pública federal e permitir a retomada da capacidade de investimento do Estado. Para 2020, outras duas reformas estruturantes de igual importância - e que por essa razão impõem um enorme desafio político -, a administrativa e a tributária, serão colocadas em marcha.

    Ainda é cedo para falar sobre a metodologia a ser adotada na Reforma Administrativa (suas principais medidas sequer foram detalhadas), mas, no que diz respeito à Tributária, algumas de suas vertentes foram discutidas e o governo já anunciou que ela será feita de forma segmentada, gradualmente. Essa decisão parece acertada tendo em vista a complexidade do sistema que temos hoje, e também considerando as diferentes esferas de Poder e de entes federados com inferência na questão – o que por si só exige um esforço político e um debate público muito maiores.

A reforma “parcelada” tomará como base algumas das propostas discutidas este ano, em especial a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (reunindo cinco impostos e contribuições num só tributo), ideia que figura no principal Projeto de Emenda Constitucional em trâmite no Congresso sobre o Sistema Tributário - a PEC 45, da Câmara. O presente artigo é uma síntese de Parecer apresentado na Comissão de Direito Financeiro e Tributário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).
 

O Imposto sobre Bens e Serviços - IBS

 

    A Proposta de Emenda Constitucional número 45 não é, a bem da verdade, uma proposta de "Reforma Tributária", e sim um projeto, com implicações constitucionais, para fundir três impostos e duas contribuições em um único tributo. Por não considerá-la uma "reforma" ampla, na melhor acepção do termo, utilizo aqui no texto a expressão entre aspas.

    Um projeto de "Reforma Tributária" implica a reformulação de todo o sistema, devendo contemplar, em minha opinião, como eixos norteadores, sete parâmetros: 1. A simplificação do sistema; 2. A ênfase tributária na renda e não na produção; 3. A defesa do princípio da não-cumulatividade; 4. A preservação da capacidade financeira do Estado; 5. A manutenção do pacto federativo; 6. O estímulo à produção e ao desenvolvimento; e 7. O respeito à progressividade em oposição à regressividade.

    A presente análise foca, em particular, a questão da ênfase tributária - por considerá-la mais importante no escopo da PEC-45 -, embora também discorrendo sobre outros parâmetros. De antemão, vale dizer que a proposta não parece ter a capacidade de atender ao menos a outros cinco parâmetros de aferição, quais sejam, a simplificação do sistema, a redução da carga, a não-cumulatividade, o pacto federativo e a progressividade.

    No que tange à simplificação do sistema, o que se percebe é que a fase de transição (dez anos) para o modelo de unificação dos cinco tributos (IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins) no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), previsto na PEC-45, é tão longa e as medidas e providências dela decorrentes tão complexas que talvez anulem ou reduzam o eventual efeito positivo no curto e no médio prazos. Tendo em vista a urgência de um sistema mais simples, o efetivo custo-benefício da unificação pode demorar a ser sentido, o que nos leva a questionar se, neste sentido, a proposta de fato representaria uma vantagem.

    A demora é ainda maior quando se trata de consolidar o novo modelo de repartição de receitas entre os entes federados. De acordo com o parágrafo 5º do art. 152-A, introduzido na Constituição pela proposta de reforma, a receita do IBS "será distribuída entre União, Estados e Municípios proporcionalmente ao saldo líquido entre débitos e créditos do imposto atribuível a cada ente", nos termos da Lei Complementar que deverá ser aprovada visando a disciplinar a matéria. Pelo mecanismo de transição da unificação dos tributos, essa repartição só será plena e estará totalmente concluída no quinquagésimo ano a contar do ano de estabelecimento de alíquota de referência de cada ente, à luz do que estabelece o caput e o parágrafo 3º do art. 120 introduzido pela proposta no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

    Quanto à redução da carga, entendo que, diante do abismo fiscal que enfrentamos hoje no país, tal parâmetro só poderia estar presente caso houvesse uma compensação por meio de outras fontes de receita no curto prazo, o que não é o caso. Já no que tange a aplicação da não-cumulatividade, há sérias dúvidas se o modelo introduzido pela PEC-45 conseguirá preservar este princípio, embora faça menção expressa a ele entre os seus objetivos.

    No que diz respeito à manutenção do pacto federativo e o pretendido esvaziamento da "guerra fiscal", a dúvida é se não haverá disputas concorrenciais com efeitos deletérios sobre a receita entre estados e entre municípios, uma vez que a autonomia para estabelecer as alíquotas de sua competência, dentro da composição do IBS, está mantida - o que não poderia deixar de ser em respeito ao próprio princípio federativo. O mecanismo de composição e repartição de receitas do IBS, cuja incidência se dá em operações de naturezas distintas, que antes eram de responsabilidade de três impostos e duas contribuições, é por si só de difícil compreensão, devendo gerar dúvidas entre contribuintes e autoridades fiscais.

    Sobre a progressividade, o princípio guarda relação direta com a mudança da ênfase tributária, que, no caso do Imposto sobre Bens e Serviços introduzido pela PEC-45 sai da produção para o consumo. A ênfase da proposta está no consumo, desonerando a produção. Cabe ressaltar que Impostos de Valor Agregado (IVA), como é o caso do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), são, por definição, tributos cuja incidência recai sobre o consumo, ainda que o contribuinte seja o produtor, o prestador de serviços, o comerciante, o locador etc. Tal modelo não é em si negativo, haja vista que traz a vantagem de desonerar a produção, o que tem efeitos econômicos e sociais positivos.

    Contudo, para que um modelo com ênfase no consumo seja socialmente adequado (e isso vale, sobretudo, para um país com os níveis de desigualdade que temos no Brasil), é preciso que estabeleça de forma clara como se dará a compensação a famílias de baixa renda, posto que, com a ênfase no consumo, elas estão injustamente equiparadas ao contribuinte de maior poder aquisitivo. Ressalte-se que o IBS (a exemplo de todos os IVAs no Direito Tributário comparado), como o próprio autor da PEC reconhece em suas justificativas, não é ferramenta própria para políticas públicas.

    Neste sentido, vale salientar que, pela proposta, as alíquotas poderão variar entre os entes da Federação, respeitando o princípio federativo, mas não poderão ser diferenciadas em relação a produtos e serviços. Assim, não poderá haver, por exemplo, uma tarifa menor para as cestas básicas, que têm por finalidade o atendimento ao consumidor de baixa renda, que gasta quase a totalidade de seu salário com a sua subsistência. A alíquota final, com as devidas compensações de débitos e créditos tributários ao longo da cadeira, será de 1%.

    O próprio autor do projeto tenta se explicar, nas justificativas de sua proposta. Vejamos:

  "Isso não significa que o modelo não deva contemplar medidas que mitiguem o efeito regressivo da tributação do consumo. Para tanto, propõe-se um modelo em que grande parte do imposto pago pelas famílias mais pobres seja devolvido através de mecanismos de transferência de renda. Este modelo seria viabilizado pelo cruzamento do sistema em que os consumidores informam o seu CPF na aquisição de bens e serviços (já adotados por vários Estados brasileiros) com o cadastro único dos programas sociais. Trata-se de um mecanismo muito menos custoso e muito mais eficiente do ponto de vista distributivo que o modelo tradicional de desoneração da cesta básica de alimentos".
 

    Notamos, pelo enunciado acima, que o deputado Baleia Rossi reconhece que o modelo introduzido pela PEC-45, ao transferir a ênfase tributária para o consumo, é regressivo - e por isso injusto. Porém, mesmo reconhecendo tal característica, não foi capaz de trazer para o corpo da Emenda Constitucional que propôs um mecanismo claro e bem estruturado para, conforme suas palavras, proteger da regressividade as "famílias mais pobres". Vale dizer que a regressividade é talvez um dos traços mais perversos do atual sistema tributário brasileiro e, sendo assim, um projeto que se pretende uma "Reforma" deveria enfrentar o problema apresentando uma solução consistente, o que não ocorre na PEC-45.

    Saliente-se que nada há de errado em se promover a desoneração da produção, eis que essa é também uma medida que traz avanços sociais, na medida em que estimula o setor produtivo (este, combalido por um ambiente hostil ao empreendedorismo), devendo figurar como eixo de qualquer reforma do sistema. Porém, a ênfase no consumo como forma de desonerar a produção não pode ser um "valor-princípio" absoluto, devendo ser compensada por outros mecanismos no âmbito de uma mesma reforma.

    Assim, a PEC-45 deixa a desejar por não explicitar como seriam as medidas compensatórias para famílias de baixa renda. Aliado a esse "defeito" de origem, faltou à proposta tratar da renda, mais precisamente, do Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas, bem como a Contribuição sobre Lucro Líquido (CSLL), eixo pelo qual, também poderia, no que se refere ao IR, desonerar o contribuinte de menor renda, a partir de mecanismos de progressividade, tendo em vista: 1. compensar a ênfase dada ao consumo pelo imposto de valor agregado proposto pela PEC (o IBS); e 2. preservar a capacidade financeira do Estado, tendo em vista os graves desafios e incertezas fiscais que se avizinham.

    Ao desonerar a produção, a PEC-45 traz uma real contribuição para o desenvolvimento do país, e por essa razão não deve ser descartada de pleno. Porém, é imperativo que se faça a sua adequação no que toca a elaboração de mecanismos compensatórios para o consumidor de baixa renda, dentro de política pública específica.    Ao optar por uma Reforma Tributária segmentada, a ser feita gradualmente, o governo terá a chance de ajustar e aprimorar as principais medidas apresentadas até o momento, em especial a criação do IBS, presente não apenas na PEC-45 como também na PEC-110, do Senado (objeto de um próximo artigo). É o que se espera.

*Por Nilson Mello

 

 
25/10/19 - O abismo fiscal e as reformas

O abismo fiscal e as reformas

 

A dívida pública brasileira hoje, de acordo com o Ministério da Economia, é de R$ 3,89 trilhões, devendo chegar a R$ 4,3 trilhões até o final do ano. A despeito da pesada carga tributária imposta à sociedade[1] e dos esforços para contenção de despesas discricionárias que vêm sendo empreendidos nos últimos anos, sobretudo pelo Governo Central (inclusive no final da administração Dilma), visando a reduzir o rombo fiscal, a dívida pública segue uma dinâmica de crescimento.  Para exemplificar, ela foi de 76,7% do PIB em 2018, deve ficar em 78,7% em 2019 e alcançar os 80% em 2020, previsão que já considera, segundo o governo, eventuais efeitos positivos da Reforma da Previdência, concluída nesta quarta-feira (23/10).

    Numa análise isenta, as razões para o recorrente desequilíbrio fiscal que há anos o país enfrenta (e que, mais recentemente, se refletem em repetidos déficits primários desde 2013), assim como para o esgotamento da capacidade de investimento do Estado, não podem ser atribuídas apenas à má gestão ou a equívocos de políticas econômicas adotadas por administrações passadas, sobretudo as mais recentes, devendo, necessariamente, considerar as características intrínsecas da matriz constitucional, na qual se assentam o arcabouço fiscal e da economia do país.

    A Constituição da República - a "Carta Cidadã" de 1988 - é uma Carta de inspiração social, como o próprio nome revela. Foi elaborada, podemos dizer, com o elevado intuito, entre outros, de regatar a "dívida social" de uma nação cujos índices de desigualdade estão entre os piores do mundo[2]. Da busca por esse objetivo resultou uma Constituição com dispositivos não apenas materialmente constitucionais como formalmente constitucionais e, consequentemente, um texto mais extenso e detalhista.

    Neste sentido, seria não apenas uma Carta Constitucional, de princípios norteadores do Estado e de suas instituições, como também um programa geral de governo.

    Podemos assumir que o constituinte de 1988 teve o legítimo e elevado objetivo de engendrar um "Estado social", e com isso promover uma melhoria da distribuição de renda e dos indicadores sociais de forma geral. Contudo, o que observamos hoje é que a matriz constitucional ensejou uma máquina pública de baixa eficiência, difícil administração e extremamente onerosa, com forte descompasso entre receitas e despesas e, consequentemente, déficits fiscais recorrentes[3]. O grande número de emendas e reformas que foram aprovadas de 1988 para cá, na tentativa de garantir governabilidade ao Estado, confirma esse diagnóstico. Contraditoriamente, não houve, no período decorrido desde a promulgação da Carta, um grande salto no que diz respeito ao desenvolvimento econômico e social.

    Do ponto de vista fiscal, o Estado brasileiro, dentro do modelo que a matriz impõe, não logra alcançar o equilíbrio orçamentário, tendo, ao mesmo tempo, exaurido a sua capacidade de investimento. A dificuldade de exercer o papel de indutor da Economia - como seria de se esperar tendo em vista a matriz constitucional de viés claramente intervencionista - decorre em grande medida do direcionamento da maior parte das receitas para as chamadas despesas obrigatórias. Válido é lembrar que Previdência e folha salarial de servidores ativos e inativos abocanham hoje mais de 80% do orçamento, deixando pouco espaço de manobra para o gestor público.

    O Leviatã[4] que emergiu do "modelo" consolidado em 1988, e que muitas vezes assume a forma de empreendedor, entrou em colapso, conforme discorrem Musacchio e Lazzarini em "Reinventando o capitalismo de Estado"[5]. Cabe dizer que um Estado reconhecidamente voraz na arrecadação tributária, para fazer face às suas crescentes e pesadas despesas, tende a ter menor sucesso - por melhores que possam ser as intenções - no estímulo ao setor produtivo.

    O modelo embute um paradoxo: a carga tributária de cerca de 35% do PIB, o que inclui encargos sociais e trabalhistas, apesar de ser a mais alta entre os países emergentes e uma das mais elevadas mesmo comparada às nações de maior renda, não é capaz de financiar a máquina estatal, ao mesmo tempo em que representa um lastro para o setor produtivo.    

    A questão dos déficits recorrentes se reverte de um aspecto social perverso, se considerarmos que, quanto maior é o descompasso fiscal, mais dinheiro o governo estará destinando ao pagamento dos juros da dívida pública, comprometendo o aporte de investimentos em áreas essenciais.

    Em 2017, o governo gastou com o pagamento de parte da dívida vencida e dos juros R$ 462 bilhões[6], o equivalente a cinco vezes o que foi gasto com programas de assistência social. Mas, como deixar de pagar a dívida e seus juros está fora de questão - não só pela perda de credibilidade do governo e de confiança no país que isso ocasionaria, mas pelo colapso que geraria no sistema e o efeito devastador sobre toda a cadeia econômica -, a saída racional e mais compromissada com a questão social é justamente equilibrar o orçamento. Esse reequilíbrio  passa, necessariamente, pelas reformas estruturantes em discussão - Trabalhista, Previdenciária, Tributária, Administrativa. Esse conjunto de mudanças simboliza também um novo pacto federativo, diferente daquele de 1988.

     Do ponto de vista do empreendedor, as dificuldades não estão representadas apenas pela forte tributação, mas por um ambiente de intensa burocracia, decorrência direta do maior grau de intervencionismo e dirigismo da máquina pública agigantada que daí resulta.

    Na área tributária, essa burocracia é potencializada pelo grande número de obrigações acessórias que o contribuinte enfrenta no seu dia a dia em meio a um sistema reconhecidamente confuso, o que reforça a necessidade de uma "reforma" que contemple a sua simplificação.

    Para se ter a clara noção desse emaranhado burocrático com o qual o empreendedor e o contribuinte de forma geral se deparam, basta dizer que de 1988 até hoje foram editadas, em matéria tributária, 390.726 normas[7]. Isso equivale a mais de 1,92 normas tributárias por hora, considerando apenas os  dias úteis.

    Nesse período, como sabemos, foram criados inúmeros tributos (alguns já extintos), tais como Cofins, Csll, PIS Importação, ISS Importação, Cide e CIP. Não por outra razão, em 30 anos houve 16 emendas constitucionais tributárias, na tentativa de dar mais racionalidade ao "caos".

    Portanto, a "Carta Cidadã" de 1988, pretendendo promover um Estado social, acabou por consolidar uma máquina dispendiosa e um círculo vicioso na economia, na medida em que a burocracia e a alta tributação são fatores que inibem o setor produtivo, o que acaba se refletindo em baixos índices de crescimento econômico, impossibilitando avanços sociais mais expressivos.

    Em resumo, é esse o contexto econômico, fiscal e administrativo que tem levado à discussão das reformas estruturantes, como a Reforma da Previdência, aprovada esta semana, a Tributária, cujo trâmite e debate já se iniciaram com a Proposta de Emenda Constitucional número 45, na Câmara, e a Proposta de Emenda Constitucional número 110, no Senado, bem como a Administrativa, em gestação.

    O abismo fiscal e econômico no qual a Constituição de 1988 precipitou o Brasil não nos deixa escolha a não ser enfrentar, com racionalidade, o desafio das reformas. O mérito do atual governo será medido pelo empenho em levar adiante essa tarefa, superando imensos obstáculos políticos erguidos, sobretudo, por posições  corporativistas, além de ideológicas, que por essa razão não representam os verdadeiros interesses da sociedade.

 

 Por Nilson Mello* 

 

(*advogado e jornalista, pós-graduado em Economia e em Direito Financeiro e Tributário)

 



[1] Nota: de acordo com os economistas José Roberto Afonso e Kleber Castro, a carga tributária atingiu 35,07% do PIB em 2018 (o equivalente a R$ 2,3 trilhões), o que significa que, em média, cada brasileiro recolheu R$ 11,9 mil tributos aos cofres públicos no ano passado. Artigo no Website JRRA. Link:  https://www.joserobertoafonso.com.br/consolidacao-da-carga-tributaria-afonso-castro/
 
 
[2] Nota: O Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil é hoje de 0,699, o 73° lugar no ranking mundial da ONU.
[3] Nota: para este ano, a previsão de déficit fiscal primário (descontados os juros) é de R$ 139 bilhões; em 2018, o déficit fiscal foi de R$ 120 bilhões. Para 2020, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias  (PLOA)  estabeleceu um déficit de R$ 118,9 bilhões. A previsão  de redução de déficit, segundo analistas, é resultado da contenção de gastos discricionários pelo governo,  da perspectiva de relativa melhora das receitas tributárias em função da retomada da atividade econômica e das privatizações.  O Estado de Minas - 30/08/2019. Link:  https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2019/08/30/internas_economia,1081327/ploa-preve-deficit-primario-de-r-124-1-bilhoes-em-2020-no-governo-cen.shtml
[4] Nota: na obra clássica do filósofo inglês Thomas Hobbes , publicada em 1651, o Leviatã,  inspirado na figura bíblica, é o monstro que se responsabilizará pelo Contrato Social firmado entre governantes e governados.
[5] MUSACHIO, Aldo e Sergio Lazzarini. "Reinventando o capitalismo de Estado - O leviatã dos negócios: o Brasil e outros países". São Paulo, Editora Schwarcz, 2015.
[7] NOTA: Os dados são do IBPT - Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, em   https://ibpt.com.br/noticia/2683/Quantidade-de-NORMAS-EDITADAS-NO-BRASIL-30-anos-da-constituicao-federal-de-1988.

 

 
12/04/19 - O lobby e os inocentes úteis
O lobby e os inocentes úteis
 
NILSON MELLO*
 
    A reforma da Previdência é imprescindível. Não há um estudo sequer negando o déficit que seja honesto. Todos os estudos neste sentido omitem esclarecimentos, a fim de obter uma conta de chegada “conveniente”, de forma falaciosa.
    Omitem, por exemplo, a edição de emendas constitucionais que ao longo do tempo, acertadamente, remanejaram recursos para a saúde e outras áreas sociais. Sem esses remanejamentos, feitos dentro das regras constitucionais, outros setores essenciais, já prejudicados, estariam à míngua. A imagem é de um cobertor curto.
    Contudo, mesmo sem essas emendas, o modelo não se sustentaria porque a pirâmide se inverte e a cada dia temos mais gente se aposentando mais cedo para menos gente trabalhando. O modelo previdenciário que temos hoje é, portanto, intrinsecamente deficitário.
    Além disso, é perverso com empreendedores, autônomos e trabalhadores do setor privado, enquanto privilegia uma casta de funcionários públicos. Não é exagero dizer que uma minoria recebe privilégios às custas do árduo trabalho da maioria.
    Como se sabe, no setor público os vencimentos são em média bem maiores do que os dos assalariados do setor privado e ainda se aposenta muito mais cedo, com os mesmos valores da ativa - algo impensável para o trabalhador em geral. Está errado.
    Nessa maioria do trabalho árduo, é claro, encontram-se justamente as pessoas de menor renda, a massa de assalariados brasileiros. Os profissionais liberais e os empreendedores, com renda mais alta, ainda conseguem planejar o futuro e se proteger, poupando para a velhice (quando as crises não corroem as suas economias e o seu patrimônio), mas o assalariado, não.
    O assalariado, a massa de trabalhadores, usa o que recebe na sua subsistência, enquanto a "casta" está lá protegida, se aposentando com 50 anos ou menos, com integralidade de vencimentos.
    O setor privado “rói o osso” em busca de produtividade, sob pesada tributação, mas o seu esforço se perde na opulência do setor público, perdulário e ineficiente. A carga tributária já ultrapassa os 36% do PIB e nem assim o orçamento se equilibra. O mais dramático e injusto é que o produto dessa alta tributação sequer se reverte em benefícios para a população, traduzidos em melhores escolas, hospitais, bem como mobilidade urbana e segurança.
    Na verdade, os trabalhadores do setor privado já se aposentam com mais de 60 anos. Então, não são eles que reagem à reforma, mas sim a "casta" mencionada acima. É esse segmento que está gritando, com o apoio dos sindicatos. Um lobby fortíssimo ao qual têm aderido inocentes úteis.
    Os inocentes ainda não entenderam que a reforma vai equalizar a aposentadoria do setor público com a do setor privado. Nada mais justo. E com isso sobrará mais dinheiro para investimentos em infraestrutura, bem como para a saúde, a educação e a segurança, áreas prioritárias.
    O Estado brasileiro hoje está quebrado e não tem mais como investir. A nossa taxa de investimento público é baixíssima mesmo se comparada a outros emergentes, pois não sobra dinheiro. São R$ 700 bilhões por ano que vão para a Previdência, a maior rubrica dos gastos governamentais.
    Esses R$ 700 bilhões correspondem a mais da metade (53%) dos gastos governamentais. Para efeito comparativo, de acordo com levantamento do jornal DCI, os gastos em saúde, educação e segurança pública somarão R$ 228 bilhões em 2019, sendo 15,86% do total. Está errado. Isso tem que mudar.
    A reforma da Previdência será um passo decisivo para resolver a distorção orçamentária que engessa o Estado brasileiro. Na sequência, ou já paralelamente, é preciso trabalhar para tornar a máquina pública mais eficiente. O objetivo não é um "Estado mínimo", mas um Estado necessário, presente e efetivo, que sirva à sociedade. A sociedade é o fim, o Estado deve ser o meio, e não o contrário.
 

*Nilson Mello - Jornalista e advogado, sócio da Meta Consultoria e Comunicação.

 
09/08/18 - Os números e o cenário dos Portos

Os números e o cenário dos Portos

Nilson Mello*

 

O crescimento da população mundial - hoje na casa dos 7,5 bilhões de pessoas - e com ele a inexorável expansão do comércio impõem desafios logísticos cada vez maiores a todas as nações, indistintamente, mas sobretudo àquelas que têm um papel relevante a desempenhar no cenário internacional.

 

Tendo em vista as suas características demográficas, a sua dimensão territorial, o seu extenso litoral (com mais de 7,3 mil km), bem como o seu potencial econômico, o Brasil, hoje a nona maior economia do mundo, não deve perder de vista esses desafios, definindo estratégias perenes - suprapartidárias, ou seja, estratégias de Estado, e não de governo - visando a superá-los.

 

A magnitude da expansão comercial nas últimas décadas pode ser avaliada pelo exponencial aumento da tonelagem das embarcações que transportam, ao redor do Planeta, um leque infindável de mercadorias. Há cerca de quatro décadas, no início dos anos 1980, os maiores porta-contêineres em operação eram os da classe Monte Rosa, de 1,2 mil TEUs (medida padrão para contêineres de 20 pés). Em 2014, as maiores embarcações no segmento de contêineres chegavam a 9,6 mil TEUs. Hoje, esses navios já ultrapassam os 19 mil TEUs de capacidade.

 

O que levou a esse vertiginoso aumento de porte - 700% de acréscimo em 35 anos - foi a busca de uma economia de escala que garantisse as necessárias eficiência e produtividade ao transporte marítimo - segmento sem o qual o comércio global simplesmente para.

 

Para acompanhar essa brutal transformação, que é inexorável, os terminais portuários em todo o mundo também precisaram se expandir e se modernizar, num processo que, na verdade, é constante. No Brasil, isso não poderia ser diferente, sobretudo se considerarmos que mais de 90% de nossas exportações e importações são transportados por via marítima.

 

Cabe reconhecer que relativamente a outros períodos muito se investiu no país nos últimos anos em infraestrutura portuária. Calcula-se que, desde que o Plano de Investimento em Logística (PIL) do governo federal foi lançado, em 2012, cerca de R$ 30 bilhões foram aplicados na construção e ou modernização e expansão de terminais. Neste sentido, o setor privado tem cumprido a sua parte.

 

Mas há muito ainda o que fazer, principalmente se reconhecermos que a demanda por transporte marítimo terá um forte incremento assim que a economia brasileira voltar a crescer de forma mais robusta e sustentável. De acordo com estudo realizado pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), o Brasil precisa investir R$ 25 bilhões nos seus portos nas próximas duas décadas, a fim de eliminar restrições que hoje ainda geram ineficiências e comprometem a competitividade de sua cadeia produtiva.

 

A recessão dos últimos anos atrasou esses investimentos. Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria - CNI aponta que em 2017 os portos tiveram o menor nível de investimentos: de uma previsão total de R$ 600 milhões, apenas R$ 175 milhões foram efetivamente aplicados. Esse quadro precisa ser rapidamente revertido.

 

Ainda de acordo com o estudo do CAF, a maior das restrições a ser enfrentada diz respeito à falta de dragagem nos canais de acesso aos portos. Eis aí um dos problemas que, conforme mencionado acima, devem ser solucionados dentro de uma estratégica de Estado, perene e apartidária, com continuidade de governo para governo.

 

O Programa Nacional de Dragagens prevê um total de R$ 3,8 bilhões em investimentos nessas obras nos principais portos brasileiros até 2022. Mas é preciso que tais serviços sejam executados com absoluto rigor técnico e total transparência, a fim de que não se tenha a lamentável repetição de obras dispendiosas, porém, mal executadas, que exigiram reiteradas correções. Não podemos mais desperdiçar tanto tempo e dinheiro comprometendo programas tão relevantes.

 

Este ano o governo federal também programa a licitação de 17 áreas em portos organizados (públicos), o que renderia aproximadamente R$ 2,5 bilhões. Essas licitações somadas à continuidade das obras de dragagens são iniciativas importantes que apontam o rumo da retomada do desenvolvimento do setor. O volume de investimentos por parte da iniciativa privada também aumentará na medida em que houver maior segurança política e jurídica no país.

 

Como vemos, o setor portuário tem desafios intrínsecos a superar, mas a plena retomada de seu desenvolvimento, indispensável para a economia brasileira, também está atrelada à mudança do cenário político e econômico a partir deste ano. De qualquer forma, é imperioso que, de um lado não se perca de vista a agenda setorial, enquanto que, no que cabe a todos nós, empresas e cidadãos, independentemente do segmento de atuação, continuemos a reivindicar um ambiente de maior estabilidade institucional e de segurança jurídica, e a trabalhar em função desse objetivo.

 

 

Nilson Mello* - É jornalista e advogado, sócio-diretor da Meta Consultoria e Comunicação e do Ferreira de Mello Advocacia.

 
17/07/18 - Alternativa para a indústria naval

Alternativa para a indústria naval


Nelson L. Carlini e Nilson Mello*

 

Um Estado responsável não deve deixar de estabelecer políticas setoriais estratégicas, visando a promover o desenvolvimento econômico e, como resultado dele, a melhoria dos indicadores sociais. O Estado tem uma missão a cumprir nas democracias liberais. Porém, essas políticas jamais devem deixar de considerar parâmetros técnicos e regras de mercado, indispensáveis para garantir a eficiência econômica que um crescimento sustentável exige. Do contrário, eternizam a dependência do empreendedor privado em relação ao Estado, gerando custos que serão pagos pela sociedade, na forma de tributos.

 

O alerta é oportuno no momento em que mais uma vez entra em discussão a retomada da indústria naval nacional, um debate que há 60 anos é periodicamente ressuscitado, sempre que, após um período de expansão, turbinado pelo dirigismo estatal, o setor volta a entrar em declínio, fechando postos de trabalho e frustrando as melhores perspectivas.

 

Não há dúvidas de que a situação do setor naval é dramática. Depois de chegar a empregar cerca de 80 mil trabalhadores (estima-se que outros 320 mil, indiretamente), em cinco dezenas de estaleiros, entre 2010 e 2014, hoje o setor emprega um contingente 60% menor, com previsão demais demissões em 2018.

 

Dos estaleiros, restam cerca de 30 ativos, mas menos da metade deles permanece operacional, com contratos em andamento, os demais já com operações paralisadas e praticamente desativados, sendo que cinco em recuperação judicial. É lamentável que tantos postos de trabalho sejam perdidos e tantas empresas fechem as portas. Mas, afinal, o que aconteceu novamente de errado com o setor que recebeu tanto estímulo governamental e viveu um verdadeiro novo boom que duraria pelos menos 14 anos? A resposta está nos parágrafos anteriores: artificialismo, com excesso de dependência do governo.

 

O setor não aproveitou o boom para se reestruturar em bases sólidas, com padrões de eficiência que lhe garantissem a necessária perenidade. Preferiu apostar na reserva de mercado que tinha como eixo a demanda de plataformas e navios de apoio da Petrobras. Pela política governamental de então, a estatal chegava a pagar por embarcações fabricadas nos estaleiros nacionais mais do que o dobro do preço cobrado por estaleiros de Cingapura, Coreia do Sul e China. Na ocasião, a desculpa para o sobrepreço escancarado era a “curva de aprendizado”, ou seja, os defensores do programa alegavam ser justificável pagar mais para desenvolver tecnologia própria e qualificar trabalhadores. A eficiência e a competitividade viriam na sequência. Nos anos 60, esses custos altos eram absorvidos pelos estaleiros, que os compensavam com eficientes estratégias comerciais.

 

Somente de 2007 a 2014, os financiamentos para os estaleiros nacionais somaram R$ 45 bilhões, via BNDES. A crise da Petrobras, provocada por má gestão e pelos conhecidos episódios de corrupção, aliada à queda do barril do petróleo, desmascarou a ineficiência. Havia de fato demanda para 50 estaleiros ou eles foram turbinados pelo artificialismo estatal? Na verdade, a volúpia de criação de novas instalações atendeu apenas aos interesses dos empreiteiros envolvidos na construção de estaleiros gigantescos. Qual foi a contrapartida exigida para tamanhas benesses?

 

Os ciclos de estímulo aos estaleiros iniciado com JK em 1957 já havia gerado Ishikawajima, Verolme, CCN-Mauá, Caneco e Emaq. Esses estaleiros enfrentaram problemas no início dos anos 1990, mas poderiam ter sido amparados e ampliados sem a necessidade de suntuosas obras e novos canteiros espalhados por todo o país.

 

Houve estímulo e demanda direcionados, mas este avantajado parque industrial – que chegou a entregar, segundo entidades representantes do setor, 594 embarcações, entre plataformas, navios de apoio e petroleiros de 2000 a 2014 -não se tornou apto a competir no mercado internacional, não se tornou auto suficiente e independente de seu maior demandante interno, a Petrobras.

 

A prova está no fato de a ANP ter flexibilizado as regras de exigência de conteúdo local para a fabricação de plataformas e navios de apoio, a fim de destravar os indispensáveis investimentos na exploração da camada do Pré-Sal. As regras de conteúdo local, como estavam postas, encareciam em mais de 50% os contratos de construção de embarcações. Não por outra razão as obras da Petrobras foram deslocadas para estaleiros de Cingapura, deixando os nacionais ociosos.

 

Neste momento, a indústria naval luta, em diferentes esferas, pelo retorno da regra de 40% de conteúdo local, além de garantias de financiamento. O argumento do setor é que, com esses estímulos, poderá construir no Brasil 80 plataformas e 160 navios de apoio nos próximos 25 anos, suprindo a demanda para a plena exploração do Pré-Sal. Mas é justo obrigar a Petrobras a pagar 50% a mais por embarcações fabricadas aqui? O contribuinte, como sócio compulsório da estatal, concorda com este sobrepreço? Isso propaga a eficiência de que o país precisa para se desenvolver ou gera distorções em cadeia na economia?

 

A indústria naval já morreu uma vez, na década de 1980, justamente porque não se preparou para competir em parâmetros reais, quando o apoio estatal chegou ao fim. Seja qual for a decisão agora, é importante que a sociedade esteja ciente de que uma estratégia de crescimento só será de fato exitosa se considerar, de forma incondicional, a possibilidade de o setor objeto da atenção governamental conquistar, em curto espaço de tempo, a sua própria autonomia, incorporando, após o estímulo original, a eficiência, a produtividade e a competitividade que lhe garantirão a almejada auto suficiência. A Embraer, que nasceu estatal, adaptou-se ao mundo real, tornou-se uma empresa de sucesso internacional e hoje de nada depende do governo.

 

Em outras palavras, a estratégia oficial deve ter em conta a possibilidade de o setor andar com as próprias pernas e não ser eternamente dependente de “muletas estatais”.

 

Um modelo razoável seria ter em cada projeto ao menos 40% de suas necessidades financeiras provenientes dos recursos desses fundos, como o restante (60%) complementados pelo Fundo de Marinha Mercante (FMM). As embarcações poderiam ser revendidas ao exterior após um prazo mínimo de operação sob bandeira brasileira, com a quitação dos financiamentos. Os estaleiros poderiam voltar a contar com financiamento à produção pelo FMM, mas sempre cobertos por garantias reais e cumprir uma cota crescente de exportação de produtos nacionais, a partir de 20% da produção anual e avançando até alcançar um mínimo de 40%.

 

Para amparar esse esforço de retomada, os estaleiros deveriam criar grupos permanentes de desenvolvimento de projetos e novas tecnologias com participação de universidades, em especial as de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Paraná, que contam com centros dedicados ao setor naval, bem como instituir associações que reunissem estaleiros e armadores, convergindo interesses visando à discussão e ao encaminhamento de projetos na indústria naval. Empresas e universidades, juntas, poderiam estabelecer programas de desenvolvimento e monitoramento das atividades, aumentando recursos para os projetos de sucesso e interrompendo (e excluindo) aqueles em atraso ou sem aplicação.

 

Em suma, pela importância que representa para economia do país, pela capacidade de geração de empregos e desenvolvimento de tecnologia, pelo valor agregado de seus produtos e por seu potencial exportador, a indústria naval merece ser objeto de políticas estratégicas, desde que essas políticas não perpetuem a sua dependência do Estado, gerando ineficiências e custos que serão suportados por outros segmentos e, no final das contas, pela sociedade de forma geral.

 

Neste momento, o setor clama pelo fim da flexibilização das regras de conteúdo nacional na construção de navios e plataformas. Um pleito de má qualidade, quando se sabe que as regras que foram flexibilizadas encareceram os projetos da indústria naval, inviabilizando parte dos investimentos da Petrobrás no Pré-Sal. Os estímulos e apoio ao setor podem ser dados, mas devem ser responsáveis – como os exemplos citados acima -, e jamais incondicionais, evitando, assim, gerar distorções e prejuízos para outros segmentos igualmente estratégicos.

 


*Nelson L. Carlini é engenheiro naval; Nilson Mello é advogado e jornalista.

 


Disponível no link:

https://www.portosenavios.com.br/noticias/artigos-de-opiniao/alternativa-para-a-industria-naval

 
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