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07/06/16 - O PIB e os portos

O PIB e os portos

Nilson Mello*

     A despeito da crise que o Brasil enfrenta, resultante de vários fatores, parte deles de causa externa, é interessante verificar a forma dinâmica e vigorosa como o setor portuário se comporta. A constatação, amparada em estatísticas, não significa dizer que não haja problemas - alguns, diga-se, bastante críticos - neste segmento, mas simplesmente que os portos exercem uma importância para a economia e para o nosso país muito maior do que a que lhe é comumente atribuída.

     Recapitulemos alguns resultados recentes que apenas reforçam o que há muito se fala, mas nem sempre se cumpre à risca, ou seja, que, para o Brasil, torna-se imperativo que adotemos uma visão estratégica para a logística portuária, desenvolvendo ações e programas de longo prazo,  apartidários e que possam ter continuidade governo após governo. Pois os portos são uma questão de Estado.

     Para começar, é preciso dizer que o movimento de contêineres nos portos brasileiros em 2015, embora tenha caído por força da recessão, apresentou um desempenho muito melhor do que todas as previsões. De acordo com a Abratec, a entidade que representa os terminais de contêineres, a queda foi de 3,3%, quando as projeções eram de um recuo de até 30% - ou queda de 25% nas melhores hipóteses.

     Os resultados esperados para o primeiro trimestre deste ano, considerando todos os segmentos, e não apenas o de contêineres, também são estimulantes. A previsão é de crescimento da ordem de 3,64% na movimentação de cargas, de acordo com a Secretaria Especial de Portos (SEP), respaldada por números de entidades do setor.

     No primeiro bimestre, conforme balanços publicados na imprensa em meados de abril, os portos já registravam um avanço de 3,48% na movimentação de carga, num total de 146 milhões de toneladas importadas e exportadas em janeiro e fevereiro. Para se ter ideia da evolução em meio à crise, em 2015 o movimento nos dois primeiros meses do ano não chegou a 142 milhões de toneladas.

     O mercado exterior ajuda a explicar o desempenho. As exportações por via marítima já cresceram 10,17% - para pouco mais de 100 milhões de toneladas - até o final de fevereiro deste ano, contra 91,35 milhões no mesmo período do ano passado.

     Um dado importante na evolução do movimento dos portos em 2015, e que deve embasar diagnósticos, políticas e novas ações para o setor, é o fato de os TUPs (Terminais de Uso Privado) terem apresentado um desempenho superior aos portos públicos. Segundo números divulgados pela SEP, os TUPs respondem por 67% do total de cargas transportadas e armazenadas em terminais portuários.

     Por que terminais privados apresentam desempenho melhor do que os Portos Públicos é uma pergunta que todos os envolvidos no setor devem procurar responder de forma transparente, para que tenhamos diagnósticos corretos dos entraves que devemos remover visando a gerar mais desenvolvimento portuário.

     Neste sentido, é impossível não reconhecer que o modelo de contratação de mão de obra que ainda prevalece nos terminais públicos gera custos desnecessários, comprometendo a eficiência. A burocracia, que em menor grau também afeta os TUPs (haja vista que esses estão igualmente sujeitos à ingerência de uma série de órgãos públicos, sem a necessária padronização dos procedimentos de fiscalização), é outro problema a ser decisivamente enfrentado.

     Mas, retornemos ao desempenho. Outro dado que revela o vigor do setor é o fato de o Porto de Santos, com todos os seus terminais, responder hoje por nada menos que 30,8% de toda a balança comercial brasileira. Numa frase, podemos dizer que o PIB brasileiro se movimenta pelos nossos portos, e eis aí a razão para darmos atenção especial ao setor. A eliminação da burocracia e a mudança de modelos de mão de obra contraproducentes e anacrônicos, conforme mencionado acima, são alguns dos alvos a serem atacados.

     Porém, devemos ainda melhorar em muito as infraestruturas nas quais os portos estão inseridos, aperfeiçoando, em terra, as conexões intermodais (com rodovias e ferrovias) e, no mar, melhorando os canais de navegação, realizando novas obras de dragagens, tanto as emergenciais como as de manutenção. As defasagens das obras de dragagem seguem sendo um forte entrave à eficiência.

     O que não podemos mais tolerar são as filas de navios à espera de "janela" para atracação, devido ao excesso de burocracia e às deficiências estruturais. Tais gargalos, com efeito negativo se propagando por toda a cadeia econômica, minam a competitividade da economia brasileira. O PIB brasileiro, que logo voltará a crescer, não pode ficar engasgado nos nossos terminais.

*Advogado e jornalista, é diretor da Meta Consultoria e Comunicação.

 
15/04/15 - Aonde queremos ir?
 
   Aonde queremos ir?
 
     A trajetória republicana brasileira é uma história que pode ser contada a partir da crônica de seus golpes (a começar pelo que lhe deu origem), levantes, deposições, renúncias e impeachments, sejam eles expressos ou brancos. É uma história conturbada, com alguns episódios violentos, apesar do folclore apontando o contrário.
    Nem precisamos retroceder tanto - como, por exemplo, à Revolução Federalista (1893), à Revolta da Armada (1893) ou às "guerras" de Canudos e do Contestado (1897 e 1912/16, respectivamente) - para firmamos esta percepção. Quase todos esses incidentes (ou acidentes) institucionais revelam falta de maturidade política.    
    O antagonismo político exacerbado, que ignora a regra democrática de respeito às diferenças e ao resultado das urnas, sobretudo, tem sido um ingrediente sempre presente na vida política brasileira. 
    Tomemos como ponto de partida a década de 1920 e o movimento tenentista de orientação liberal - porém, reconheça-se, de caráter golpista - que seguiu produzindo consequências ao longo de todo o século XX, marcado por crises políticas e quebras da continuidade institucional. 
    A partir dali, resumidamente, tem-se, com inspiração e métodos semelhantes, a Revolta de 22 ("18 do Forte"), a Revolução Paulista de 1924 e a Revolução de 1930, que marca o fim da Velha República, com suas cartas marcadas (a política "café-com-leite"). 
    Contra o arbítrio político, o domínio das elites financeiras e a fraude eleitoral o golpismo é legítimo e justificável? O tenentismo entendia que sim. Logo em seguida, em 1932, tem-se, em resposta, a Revolução Constitucionalista, liderada por São Paulo contra o governo de Getúlio. 
    Entre os tenentes revoltosos da primeira metade do Século XX estavam, entre outros, Cordeiro de Farias, Eduardo Gomes, Siqueira Campos, João (Alberto Lins) de Barros, Juarez Távora, Miguel Costa, Luís Carlos Prestes. O movimento tinha o apoio - e a participação destacada - de civis como Getúlio Vargas e Oswaldo Aranha. Estavam entre eles também, vale lembrar, Geisel, Médici e Castelo Branco.     
    Com eles - ou, em grande parte, por causa deles -, à exceção de Prestes, àquela altura já aderente à causa comunista, Getúlio assumiu o poder em 193O. Serviu-se deles e virou-lhes as costas. 
    A despeito de visões de mundo e de ideologias distintas - que no decorrer do tempo foram sobressaindo e elevando o grau de antagonismo entre oponentes - havia um desejo comum a unir todos esses nomes, de Prestes a Vargas, passando pelo udenista Eduardo Gomes e o próprio Ernesto Geisel (com sua concepção desenvolvimentista semelhante ao "capitalismo de Estado" ensaiado, veja só!, pelos governos Lula-Dilma). 
    O ponto em comum, se é que se pode dizer assim, era a possibilidade de imprimir ao país um choque modernizante capaz de reformar não apenas as suas estruturas políticas, como também as sociais e econômicas. Em resumo, tratava-se de lançar um país eminente agrário e de práticas políticas arcaicas em outro patamar sócio-econômico. 
    Sigamos a cronologia da instabilidade. Em 1935, com Vargas no poder, mas o país em situação política instável, quem tentou o golpe à sua maneira foi Prestes. (A "Intentona" ou o "Levante Comunista" que liderou acabou sendo um retumbante fracasso, com falhas do planejamento à execução que ajudaram a desfazer um mito). 
    Dois anos mais tarde, quem dá o golpe é o próprio presidente da República, Vargas, instituindo a Ditadura do Estado Novo. Usa como justificativa para a exceção - se é que precisava de uma justificativa - a própria ameaça à estabilidade institucional.  Em 1938, por sinal, quem tenta um levante são os integralistas. 
    A ditadura dura oito anos. Em 1945, com o fim da guerra contra o fascismo e os ventos liberalizantes soprando mais fortes no Brasil, Vargas é forçado a convocar eleições. Golpe contra o autoritarismo e a ditadura, ainda que pacífico, é legítimo? Foi o que ocorreu. Mas, redemocratizado, com eleições livres naquele ano, o país não se viu livre das escaramuças institucionais. 
    O populismo demagógico e irresponsável, aninhado de um lado, e o conservadorismo obtuso e indiferente aos problemas sociais, entrincheirado do lado oposto, via de regra, dissimulados, respectivamente, em bandeiras da esquerda e da direita, seguiram minando as possibilidades de trajetória estável e de desenvolvimento econômico consistente nos anos seguintes.   
    Voltemos ao retrospecto. Houve novamente o que podemos chamar de intercorrências de constitucionalidade - com menor ou maior gravidade - em 1950, 1954, 1961, 1964 e 1992. 
    Em 1950, o embate deu-se em torno da possibilidade ou não da candidatura Vargas (ex-ditador pode se candidatar, se eleger e tomar posse? Oposicionistas, Lacerda à frente, entendiam que não). Em 1954, uma crise política aguda (potencializada pelas oposições), com ingredientes econômicos e denúncias de corrupção, culminou com o suicídio do presidente e ex-ditador, seguido da dúvida quanto à possibilidade ou não de seu vice assumir o cargo.  
    Em 1961, com a renúncia de Jânio, mais um impasse: vice de partido e com programa de governo opostos ao do presidente que deixa o cargo pode assumir o poder? A regra constitucional dizia que sim, a cautela política entendeu que não, criando um parlamentarismo canhestro que durou pouco. 
    A regra constitucional, prevendo a eleição de presidente e vice de partidos distintos era incoerente e inconsequente, mas era a regra. O golpe civil-militar de 1964 veio na esteira do ativismo político iniciado pelo movimento tenentista nos anos 1920. Estavam entre os seus líderes, lembre-se, Geisel, Médici, Castelo, tenentistas de outrora. 
    Olhando em retrospectiva, 1964 foi  consequência e não causa. E foi civil-militar porque não teria tido êxito sem o apoio decisivo da sociedade - queira-se ou não. Assim como o Estado Novo, via-se como um "projeto modernizante" para o país, daí o termo "revolução" com o qual se auto-intitulou. 
    Regimes de exceção não são eternos, embora nem sempre cheguem ao fim pela força. Restabelecida a democracia, após a Constituição de 1988 (precedida pela Campanha das Diretas-Já, de 1984, e pela eleição do oposicionista Tancredo Neves, via Colégio Eleitoral, em 1985), o voto livre, direto e universal levou à Presidência, em 1989, um presidente que acabaria afastado por um processo de impeachment
    O "terceiro turno" das eleições, portanto, não é uma novidade no Brasil. Hoje, o PT acusa seus oponentes de lançar mão dele contra o governo Dilma, mas o partido foi o mentor do artifício. 
    Afastar presidente, via processo político, é legítimo? No caso de Collor, parece não haver dúvidas que sim, embora ele jamais tenha sido condenado por corrupção na esfera judicial. Não custa lembrar que foi também a imaturidade política que alçou Collor à Presidência da República. 
    O primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva foi fortemente abalado pelo episódio do Mensalão (o esquema montado pelo governo para cooptar parlamentares), em 2005/2006, sem que o seu afastamento tenha sido politicamente viabilizado. As provas eram tão presentes quanto no episódio de Collor, e é difícil dizer se a blindagem decorreu do apoio político dentro do Congresso, da alta popularidade ou de ambos. 
    Em que condições então um impeachment é aconselhável? (e nem estamos falando aqui dos requisitos legais, apenas da conveniência político-institucional). Como saber quando a permanência de um presidente que perdeu a credibilidade gera mais instabilidade institucional do que o seu próprio afastamento? 
    Porque a questão de fundo é saber se estamos contribuindo para o fortalecimento da democracia ou minando os seus fundamento. A nossa trajetória "republicana", como vimos, recomenda ponderação. 
    Mais de 60% dos brasileiros hoje desaprovam o governo Dilma Rousseff. E mais de 63% apoiam um processo de impeachment contra a presidente, segundo pesquisa do Instituto Datafolha divulgada semana passada. As mais de 600 mil pessoas que foram às ruas neste domingo em 152 cidades brasileiras, de 25 estados mais o Distrito Federal, tinham, entre as suas principais bandeiras, o afastamento da presidente. 
    Há menos de seis meses, Dilma Rousseff foi reeleita com mais de 54 milhões de votos (51,64% dos sufrágios válidos).  A julgar pelo mau governo que realizou no primeiro mandato - como demonstram, de forma intestável, os indicadores econômicos e os escândalos de corrupção -, o resultado foi uma prova cabal de falta de maturidade política do eleitorado, que, desinformado, sucumbiu à propaganda.     O despertar veio tarde.   
    Mas é preciso saber aonde queremos ir. Se agirmos com maturidade política, só levaremos adiante a ideia de impeachment se surgirem provas claras do envolvimento da presidente nos escândalos de corrupção que marcaram o seu governo. Até o momento, essas provas não estão presentes. 
    Se surgirem, devemos estar cientes de que, embora legal, com previsão constitucional, o processo é traumático e pode significar um novo retrocesso, sobretudo num momento em que o país tem nova condução na área econômica e começa a reconquistar a credibilidade perdida nos últimos quatros anos. 
     Não se pode trocar governos a cada fracasso, por pior que sejam (como este foi). É preciso estabilidade de regras. Democracia é assim mesmo: dá trabalho e requer esforço reiterado, com depuração do eleito, via qualificação do eleitor. 
 
Por Nilson Mello 
 
Anote: 
 
. A violência nas revoltas no Brasil - Na Revolta do Contestado, citada no início deste texto, houve sucessivas ocorrências de castração de prisioneiros, de ambos os lados, antes da execução, geralmente por degola ou fuzilamento.
 
29/10/14 - A imprensa como ringue

A imprensa como ringue

Por Nilson Mello
27/05/2014

   Não é exagero dizer que mais de 98% das notícias que lemos nos jornais, ouvimos no rádio ou assistimos na televisão tiveram origem numa assessoria de imprensa.  A rigor, os meios de comunicação nada mais são do que um palco de confronto de ideias. Vamos além: os meios de comunicação nada mais são do que um ringue de embate de interesses.

   Lidas assim, de primeira, as afirmações acima podem parecer exageradas e ferir os mais românticos ou ingênuos. Contudo, elas sintetizam uma visão realista do papel desempenhado por jornais, revistas, TVs, rádios e, mais recentemente, portais, blogs e sites jornalísticos.  

   E é exatamente por isso que toda instituição, seja pública ou privada, deve procurar ocupar o seu espaço na “mídia”, fortalecendo a sua imagem e, com isso, fazendo a legítima defesa de seus interesses e do segmento que representa.

   Com esses esclarecimentos, já fica mais fácil entender por que se tornou tão relevante – por que não dizer decisivo? – para uma entidade sindical estabelecer um dispositivo de ação estratégica na área de comunicação.

   Se indivíduos têm interesses diversos, nada mais natural que empresas e entidades de classe também tenham divergências quanto a políticas públicas, projetos governamentais, marcos regulatórios etc.

   O embate, na verdade, nada tem de excepcional ou constrangedor – ele faz parte da vida democrática e, desde que travado dentro da lei, é bom que ocorra, porque contribui para o esclarecimento da sociedade. Mais que isso, pode contribuir para o aperfeiçoamento da sociedade.

   O próprio governo – ou os governos, em suas diferentes esferas e instâncias - saberá também, por meio dos instrumentos e sistemas de comunicação de que dispõe, participar das discussões, justificando, para a opinião pública, a decisão tomada. É claro que o embate seria ainda mais construtivo – e democrático – se, hoje, no Brasil, houvesse maior pluralidade de meios: os leitores, ouvintes e telespectadores brasileiros mereceriam ter mais (e melhores) opções.

   Afinal, concentração, em qualquer setor, tende a ser prejudicial. Se abordarmos a questão pelo enfoque estritamente econômico, considerando que vivemos num sistema capitalista, podemos até dizer que o segmento de mídia no país está precisando de um forte choque de mercado que garanta aos “consumidores” um leque maior de escolhas.

    Mas, como não podemos viver no Mundo ideal (que, no caso, seria a plena diversificação de meios e, por consequência, de visões do mundo), essa é mais uma razão para não deixarmos de expressar nossas opiniões e nos posicionarmos politicamente (na acepção ampla, mas também na estrita do termo) junto à opinião pública.

   Neste ponto, um alerta se faz necessário: quanto mais pró-ativa for a instituição, no sentido de se esforçar para ocupar um espaço positivo na mídia, divulgando suas atividades e conquistas, mais sucesso terá em defender os seus interesses, sejam eles institucionais ou mesmo comerciais, sobretudo nos momentos críticos, com noticiário adverso. Ou seja, não se pode deixar de participar desta “briga” e de se estar permanentemente pronto para ela. Até por que os adversários não abondarão o ringue – não deixarão o palco onde exibem suas “ideias”.

*Artigo publicado na Revista Unificar nº39.

 
28/10/14 - Democracia e legitimidade

Democracia e legitimidade

Por Nilson Mello
27/10/2014

   A reeleição da presidente Dilma Rousseff neste domingo, com 51,6% dos 105,5 milhões de votos válidos, entre 143 milhões de eleitores que estavam aptos a ir às urnas, foi legítima e incontestável não importando a pequena margem de diferença para o seu adversário ou o fato de sua vitória ter sido decorrência de uma votação mais expressiva nas regiões menos desenvolvidas do país.

   Nas verdadeiras democracias – e o Brasil é uma delas, sem dúvida, após a sétima eleição geral consecutiva livre e direta - os votos têm exatamente o mesmo peso, independentemente da qualidade do votante. Não há, portanto, voto diferenciado.

   Da mesma forma, a legitimidade do vencedor em pleitos majoritários não é conferida em dosagem, ou seja, não oscila em decorrência da maior ou menor diferença de votos entre o primeiro e o segundo colocados. Do ponto de vista prático, a maioria mais um tem o mesmo efeito de uma maioria ampla.
Contudo, o desenho da votação em cada região do país associado ao perfil dos eleitores nos permite algumas análises.

   A presidente Dilma Rousseff construiu a sua vitória graças às Regiões Norte e Nordeste, onde obteve 56% e 72% dos votos válidos, respectivamente. O opositor Aécio Neves venceu no Sul, Centroeste e Sudeste, onde alcançou, respectivamente, 60%, 58% e 57% dos votos válidos. Na Região Sudeste, uma ressalva: embora tenha vencido no geral, ganhando em São Paulo com boa margem, e no Espírito Santo, o candidato da oposição perdeu em Minas Gerais, seu reduto eleitoral, e no Rio de Janeiro.

   A que conclusão chegamos? Se a pergunta fosse direcionada a um militante, simpatizante ou eleitor de Dilma, ele certamente responderia que o Norte e o Nordeste, mais pobres, somados aos extratos menos favorecidos das regiões mais prósperas (Sudeste, em especial), elegeram a candidata do PT porque acreditam que ela fez mais pela sua melhoria de vida – e ainda poderá fazer mais.

   De um jornalista militante do PT, ainda antes da votação de ontem, durante o balanço do primeiro turno e no bojo das pesquisas de intenção de voto para a rodada final, ouvi textualmente o seguinte sobre a vantagem da petista nos estados nordestinos: “São Paulo regride, enquanto o Nordeste progride”.

    Na contramão da crença ideológica, que turva a lente com que se enxerga o mundo, distorcendo a realidade, encontramos outra explicação mais plausível. A candidata à reeleição conseguiu uma vitória mais expressiva nos estados menos desenvolvidos e nos grotões mais pobres justamente porque, nessas regiões, o nível de escolaridade é mais baixo e, por consequência, menor é a capacidade do eleitor para avaliar erros e acertos.

   Se levarmos em conta os enormes problemas que o país enfrenta na economia – um conjunto de indicadores amplamente desfavoráveis, a começar pela inflação e pela ausência de crescimento - e ainda os inúmeros casos de corrupção envolvendo integrantes de governos do PT, com deletérias ramificações nas estatais, a relação entre desinformação e voto em Dilma salta aos olhos – para aqueles que querem ver, evidentemente.

   Acrescente-se a isso o fato de as camadas menos favorecidas da população – e, portanto, menos informadas - estarem mais sujeitas à manipulação e a práticas espúrias como o assistencialismo. Uma menor parcela – como o jornalista citado acima – vota em Dilma por orientação ideológica, e a despeito de todas as incongruências programáticas. Mas esses, claro, são uma minoria.  

    Mais uma vez, seria preciso ser completamente desinformado para acreditar – ou ter má-fé para repetir - que os 51,03 milhões de brasileiros (48,4% dos votos válidos) que apostaram em Aécio Neves neste segundo turno são privilegiados e insensíveis que não se preocupam com o bem-estar dos mais humildes, ou com o destino do país. Vale dizer que metade dos eleitores do tucano ganha até três salários mínimos apenas, o que desmonta (mais uma vez, para quem quiser ver apenas) o marketing falacioso.

   A propaganda do governo martelou que o voto contra Dilma seria o voto contra os pobres. Numa democracia ainda tão desigual como a brasileira, é a pobreza a mola propulsora do círculo vicioso da política – é dela que se alimentam os maus dirigentes.

    Haverá esperança real de mudança quando os nossos governantes passarem a garantir para a educação uma prioridade estratégica, com parâmetros rigorosos de ensino (não foi o que fez o PT em 12 anos). O esclarecimento é o antídoto que depura a democracia, livrando-a de suas impurezas, entre elas o populismo e a demagogia. Não podemos discriminar o voto, atribuindo critérios de legitimidade em função dele. Não seria justo.

    Mas podemos qualificar o votante. O processo é demorado, exigirá esforço e paciência, sobretudo dos mais esclarecidos. Enquanto isso, só nos resta reconhecer a legitimidade dos eleitos, preservando as regras do jogo.

 
16/10/14 - O fetiche da barbárie

O fetiche da barbárie

Por Nilson Mello
16/10/2014

   Os sunitas formam o ramo majoritário e, historicamente, o menos radical do Islã. Ao menos assim eram reconhecidos até o surgimento do Isil, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante, na sigla em inglês (ou Isis, Estado Islâmico do Iraque e da Síria), hoje apenas Estado Islâmico (EI).


   Calcula-se que 84% dos muçulmanos pertençam a essa corrente, de posição mais neutra em comparação aos xiitas, kharijitas e outras denominações mais recentes.


   O radicalismo político e o fundamentalismo religioso eram tradicionalmente traços associados aos xiitas, não aos sunitas. Basta lembrar que o termo “xiita” serviu por um bom tempo para designar, no Brasil, parlamentares e políticos de posição mais radical, geralmente de esquerda.


   O apelido em tom irônico surgiu na esteira da revolução iraniana de 1979, liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini e que levou à deposição do xá Reza Pahlevi. Khomeini pôs fim à monarquia artificial, totalitária e pró-ocidente de Pahlavi e inaugurou um Estado islâmico de caráter fundamentalista.


   No mundo contemporâneo, o Irã criado por Khomeini, morto em 1989, é certamente a mais nítida expressão de uma teocracia, ainda que hoje a revolução islâmica iraniana já não tenha mais a intensidade dos seus primeiros anos.


   Pouco tempo depois, na arrastada e sangrenta guerra entre Iraque e Irã (1980-1988), sunitas e xiitas travaram um confronto formal que resultou em 1,5 milhão de mortos. Com as economias dos dois países devastadas pela guerra, não houve vencedor formal – apenas perdedores.


   O antagonismo de Teerã ao ocidente e, em especial, aos Estados Unidos, fez com que o Iraque do então ditador Saddam Hussein - e de maioria sunita - contasse com o total apoio americano. Especula-se que o estímulo para que Bagdá rompesse o antigo acordo de fronteira com o país vizinho nos territórios ocupados pelas minorias curdas (estopim do conflito) tenha sido, na verdade, urdido em Washington, interessado na desestabilização do regime islâmico.


   Em 1990 e em 2001, nas guerras do Golfo e do Iraque, os alvos da política externa americana e de seus “planos estratégicos” passaram a ser Saddam Hussein e o próprio Iraque. A ocupação que se seguiu à guerra de 2001-2003 não teve êxito - como fica claro agora - em estabelecer um sistema político estável no país, com equilíbrio de forças.


   Alijados do poder, embora majoritários, sunitas forjaram o seu Estado Islâmico radical. A desestruturação da ditadura síria de Bashar al-Assad e a fraqueza institucional da presuntiva democracia iraquiana foram os terrenos férteis para a sua propagação.


   O Irã de hoje está prestes a se unir ao Ocidente e a países árabes na coalizão militar destinada a conter o avanço do EI – coalização que conta também com curdos e turcos. O regime de inspiração xiita volta a combater forças sunitas, mas agora tendo americanos e iraquianos como aliados.


   O sumário histórico pontua os acontecimentos, mas não explica o principal: como um grupo que adota um grau de extremismo sem precedentes, de barbárie ímpar, pode atrair para suas fileiras uma legião de voluntários procedentes de nações, culturas e até religiões tão distintas? Qual a explicação para o “fetiche” da violência ser tão poderoso?


   Estimativas das Nações Unidas indicam que os cerca de 30 mil combatentes do EI sejam procedentes de mais de 80 países, sendo que 2 mil deles são ocidentais - americanos, franceses, ingleses, dinamarqueses e alemães, entre outras nacionalidades.Entre os combatentes, há mulheres ocidentais, segundo notícias divulgadas esta semana.


   Tão chocante quanto ver dezenas - às vezes centenas - de homens, prisioneiros do EI, dirigirem-se de mãos atadas e em longas fileiras, de forma resignada, para a execução sumária, ou reféns ajoelhando-se com serenidade, para serem decapitados a faca fria, é saber que milhares de jovens ao redor do mundo são seduzidos por uma fórmula estarrecedora e ao mesmo tempo simples: o terror na sua forma mais brutal e gratuita. Não são ideias ou propostas que sobressaem no EI, mas a violência em estado bruto.


    A conclusão é que, para acabar com as guerras e a violência, seria preciso reinventar o ser humano.

 

Desempenho econômico – O mundo não enfrenta uma crise econômica generalizada, ao contrário do que o governo afirma, para tentar justificar o baixíssimo desempenho da economia brasileira, cujo crescimento será próximo de zero em 2014.
Este é o principal ponto do manifesto assinado por 164 economistas, de diferentes escolas e correntes - inclusive heterodoxos - e divulgado esta semana, com críticas à gestão da economia no governo Dilma Rousseff.
Entre os países vizinhos, a Colômbia deverá crescer 4,8% este ano com inflação de 2,8%; o Peru, 3,6%, com 3,2% de inflação; o México, 2,4% de avanço de PIB, com 3,9% de aumento de custo de vida. A inflação no Brasil deverá estourar o teto da meta, de 6,5%, sem garantias de que haverá crescimento.
Os dados comparativos jogam por terra a ideia - equivocada - que tem sido martelada pelo marketing oficial segunda a qual foi preciso deixar a inflação escapulir um pouco para não prejudicar a atividade econômica. Não se cresce com inflação.
No mundo, destaca o manifesto com base em dados da OCDE, só há quatro países a rigor em crise: Argentina, Itália e Islândia, além do Brasil. O documento faz um alerta: com crescimento baixo e inflação em alta, os índices de emprego no Brasil não tardarão a cair. Mais detalhes no link abaixo:

http://www.infomoney.com.br/mercados/eleicoes/noticia/3635648/164-economistas-criam-manifesto-rebatem-dilma-nao-crise-internacional

 
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