Casca de banana?

Casca de banana?


Por Nilson Mello
01/10/2014

   O dia em que o governo e os nossos governantes não ocuparem tanto espaço em nossas mentes será sinal de que as coisas, finalmente, entraram nos eixos. Boa parte de nossas paranoias (não todas, é claro) estariam eliminadas. Estamos longe disso. Os políticos, e em especial os que “estão” candidatos, nos obrigam a um estado de alerta permanente com suas ideias (?), propostas e, o que é pior, decisões.


   Nem sempre é fácil decifrar o que está por trás daquilo que dizem e fazem. E é preciso reconhecer que, muitas vezes, somos profundamente injustos ao interpretar como má fé aquilo que, na realidade, não passa de desconhecimento de causa ou incompetência administrativa. Sim, às vezes os seus erros nada mais são do que burrice.


   Ocorre, contudo, que o inventário de malfeitos na trajetória republicana é tão extenso que realimenta o cacoete paranoide. Portanto, na contramão do benefício da dúvida para a qual o senso de cidadania muitas vezes nos impele, emerge, claro, aquela sensação de que estamos prontos a pisar, novamente, numa casca de banana sob o invólucro de nova norma regulatória.


   Apesar de seu caráter politicamente correto, ou pretensamente correto – o que certamente visa a desestimular qualquer reação ou questionamento – novas normas não raro camuflam o que não nos convém. E aqui vamos nós de novo.


   Há poucos dias a presidente Dilma Rousseff esbravejou com o fato de a imprensa - que no Brasil é livre por força de princípio expresso na Constituição - ter vazado informações contidas no depoimento do delator da Operação Lava Jato, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.


   Na ocasião, a presidente disse que o papel da imprensa não era o de investigar, mas simplesmente o de informar – um equívoco (só isso mesmo?) conceitual que mereceu um longo artigo neste Blog, no último dia 24, sobre o papel da imprensa (texto mais abaixo). Sem nos alongarmos no que já foi exaustivamente comentado, vale dizer que o papel da imprensa é, antes de tudo, o de investigar. Mais: jornal que não opina, só publica versões e transcreve declarações, não merece ser lido.


   Em menos de uma semana a presidente e candidata retomou o assunto, mas dessa vez sob outro viés. Não falou em “controle social da mídia” ou “disciplina da opinião jornalística”, eufemismos já muito empregados por seu partido e que, na prática, significam censura. Evitou qualquer menção ao conteúdo das notícias ou aos métodos empregados pelos meios da comunicação – entre os quais a inalienável investigação – no trabalho de produzir (grifo meu) noticiário. Ateve-se a uma questão mercadológica.


   A forte concentração de poder econômico, afirmou a presidente, é prejudicial à democracia. E é verdade. O setor mereceria um choque de concorrência que promovesse a pluralidade dos meios – e, por consequência, de opiniões (tema de comentário do dia 25, neste blog). Porque o problema não está em um grupo de comunicação se opor ao governo. O problema é termos poucos grupos de comunicação, contrários ou não aos governos.


   A discussão é, mesmo, de regulação de mercado, de capitalismo de mérito: medidas que possam ampliar a concorrência entre empresas de jornalismo, assim como é feito, por exemplo, nos segmentos de cervejas ou de aviação.


   A questão é saber se um governo e um partido que sempre se manifestaram contra a imprensa de caráter privado, por entendê-la como “burguesa” (seja lá o que isso signifique em pleno século XXI), poderá estabelecer uma regulação do setor que não acabe por amordaça-lo. O que se pretende é uma saudável concorrência, com pluralidade de meios e opiniões, não censura oblíqua, disfarçada de norma econômica. Os exemplos da Venezuela e da Argentina autorizam os nossos temores. Fiquemos atentos às cascas de banana.

 



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