A reforma curricular e o controle do conhecimento |
A reforma curricular e o controle do conhecimento Pedro Flexa Ribeiro*
Publicado originalmente no Jornal do Brasil no dia 07/06/2018. Acesse em: http://www.jb.com.br/artigo/noticias/2018/06/07/a-reforma-curricular-e-o-controle-do-conhecimento/
No debate sobre a Reforma do Currículo do Ensino Médio, que acaba de ser apresentada pelo governo, convém termos em mente a longa tradição de centralização de que o ensino brasileiro tem sido vítima. São antigasas tensões entre a liberdade de pensamento e o controle do conhecimento. Os sistemas educacionais sempre foram influenciados pelo ambiente cultural em que se desenvolveram. Em Portugal, desde a inquisição a Igreja e a Coroa se articularam para impedir a livre circulação de ideias e do conhecimento. Essa tendência se perpetuou no Brasil, mesmo depois de proclamada a República. A cada momento de nossa História não faltou quem entendesse que o Estado deveria estabelecer o currículo unitário imposto a todas as escolas por força de lei. A qualidade de ensino implicaria que se prescrevesse a todos uma mesma escola, idêntica em intencionalidades e em currículo. Defendida ora pela esquerda ora pela direita, essa vertente centralizadora ganhou força nos diferentes momentos em que, desde a era Vargas, no Brasil sucederam-se as Leis de Diretrizes e Bases (edições de 1961, 1971 e 1996 ). O espírito de cada uma das edições da LDB pode ser definido na medida em que revisita e reedita ou afasta-se dessa tendência controladora. Superada a ditadura militar e reestabelecida a democracia, a LDB em vigor desde 1996 exorta as escolas a desenvolverem, cada uma delas, o seu próprio Projeto Pedagógico, em consonância com a sua identidade e a sua vocação institucional. Superando a antiga tendência centralizadora, essa nova lei procurou induzir a diversidade, a experimentação e a inovação curricular. Contudo, a mesma lei também instituiu o sistema de avaliação em larga escala como instrumento para monitorar a qualidade do ensino. Com o tempo, ficou claro que as avaliações tornaram-se o novo braço por meio do qual o governo pretendeu exercer o monopólio e o controle sobre o que se ensina em todas as escolas do país. O auge da centralização deu-se em 2010, com a transformação do Novo Enem em vestibular unificado de escala nacional. Esse é o instrumento através do qual o governo tem exercido sua tutela sobre pedagógica. Hoje, é através da avaliação que o Estado exerce o seu monopólio sobre a educação. Sem dúvida, é preciso reconhecer que cada vez mais o ensino será pautado pelas avaliações em larga escala, e é importante que o país amadureça essa cultura. Trata-se de tendência internacional. Contudo, o sucesso desse processo muito depende da sabedoria na sua gestão e, em especial, do correto uso de seus resultados. A alternância no poder é própria de democracias. Mas a qualidade do ensino está condicionada à previsibilidade e ao foco no longo prazo, que devem sobreviver a mandatos eleitorais. Constância de critérios e de objetivos claramente definidos são fundamentais para a inovação e o bom trabalho pedagógico. Convém ao avaliador, portanto, discernir o que é de fato essencial e, sobretudo, assegurar que os resultados cheguem prontamente àqueles que devem constituir o principal público desse processo: os professores. A Reforma Curricular em curso põe em pauta projetos de país, o tamanho do Estado e o grau de liberdade facultado aos educadores e aos cidadãos. Cabe as escolas e aos professores identificar os programas mais pertinentes. Sobretudo, cabe a cada família definir o tipo de escolaridade que mais condiz com suas perspectivas. Esse direito de escolha se concretiza na medida em que ela tenha ao seu alcance um leque diversificado de opções. Os Conselhos de Educação em todo o país - responsáveis a partir de agora pelas discussões e pela consolidação do Projeto de Reforma - terão a grande responsabilidade de instaurar no país um cenário em que famílias e jovens possam exercer suas escolhas acerca do tipo de escolaridade e de currículo que lhes convier. A sociedade precisa estar atenta a esse processo!
*Educador e Diretor do Centenário Colégio Andrews do Rio de Janeiro
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