Aceno de Liberdade

 Aceno de liberdade


Pedro Flexa Ribeiro - Educador e diretor do Colégio Andrews.

Desde os anos 1970, o sistema escolar vive submetido à permanente tutela, sempre atendendo a quem lhe prescreva o que ensinar.

A presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Maria Inez Fini, afirmou recentemente que não é propósito do órgão usar as avaliações para prescrever os conteúdos de cada trilha curricular. O seu pronunciamento foi categórico: o Enem se restringirá a investigar os conteúdos relativos ao núcleo comum da educação básica. O exame, portanto, fará jus ao nome: um Exame Nacional do Ensino Médio. Como o Inep é o órgão que organiza o sistema de estatísticas educacionais, os esclarecimentos são um aceno de liberdade.

O que pauta os currículos das escolas são as avaliações externas e, em especial, os processos para ingresso no nível superior. As crescentes obrigatoriedades levaram ao inchaço dos currículos e, paradoxalmente, ao seu estreitamento. Isso tolheu as diferenças entre as escolas, padronizou os programas e tornou-os homogêneos, empobrecendo e restringindo o leque de opções ao alcance dos jovens.

Desde muito tempo, as escolas vivem à espera de que se estabilizem os critérios de acesso ao nível superior. A discussão sobre a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), em curso, confirmou essa verdade. À medida que o debate evoluiu, tornou-se claro que o destino do Enem seria decisivo para os currículos e para a definição do grau de autonomia das escolas. Não somente a de cada projeto educativo mas, sobretudo, a liberdade permitida a cada família: que margem de escolha o Estado brasileiro concederá ao cidadão para discernir o tipo de escolaridade de seus filhos?

A medida reverte a tendência controladora à qual as escolas do país vinham sendo submetidas e deixa marcado o espaço de autonomia para cada sistema de ensino. A renúncia oficial ao controle aponta para a direção correta. A diversidade promove a liberdade de pensamento e favorece os estudantes, que terão mais opções.

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Movimentos nesse sentido são episódios raros na educação nacional. De certa forma, se restabelece agora situação só vivida em época ainda anterior à dos governos militares. Desde os anos 1970, o sistema escolar vive submetido à permanente tutela, sempre atendendo a quem lhe prescreva o que ensinar.

Por quase seis décadas, gerações de educadores atuaram em um contexto no qual a margem entre o obrigatório e o interditado era cada vez menor. Eles não só atuaram, como também formaram-se nesse contexto. Como essas gerações não viveram outra realidade, em certa medida naturalizaram a situação posta. O atual aceno de liberdade é tão significativo e surpreendente que se custa a crer.

Resta ver como reagirão outras instâncias, como os conselhos de educação e as universidades. Que a polarização reinante na sociedade não nos impeça de reconhecer o mérito desse avanço do Inep. Por mais surpreendente que possa parecer, nesse campo está aberta uma oportunidade preciosa. Urge que a sociedade dela se aproprie. Antes que alguém mude de ideia.



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