A luta do setor privado de saúde

                              A luta do setor privado de saúde

Fernando Antonio Boigues*

Os hospitais e clínicas que compõem a rede privada de assistência à saúde são responsáveis hoje pelo atendimento a mais de um quarto da população brasileira, algo em torno de 40 milhões de pessoas. No município do Rio de Janeiro, a importância do setor é ainda maior, pois atende a 53% dos cariocas, ou 3,5 milhões de pessoas.

No total, em nossa cidade, há em torno de 8 mil instituições particulares de saúde, desde pequenas clínicas a grandes e complexos hospitais, que para cumprir seu relevante papel social empregam mais de 40 mil profissionais, entre médicos, enfermeiros, psicólogos, dentistas, fisioterapeutas e outros especialistas e técnicos de diversificada formação.

Esse verdadeiro “Exército da Paz” trabalha arduamente para superar obstáculos nem sempre visíveis à população. Há ainda muito a esclarecer sobre o segmento de Saúde Suplementar.

Não se devem confundir planos de saúde com prestadores de serviços médico-hospitalares. Da mesma forma que os segurados e beneficiários dos planos de saúde queixam-se de que não conseguem fazer valer seus direitos no momento em que precisam, devido a descumprimento de cláusulas por parte das operadoras, hospitais, clínicas e mesmo médicos autônomos, trabalhando em seus consultórios particulares, deparam-se rotineiramente com problemas semelhantes.

No caso dos prestadores de serviços há ainda uma agravante. Enquanto a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em conjunto com órgãos de Defesa do Consumidor como o Procon, zela pelo efetivo cumprimento dos contratos entre operadoras de planos de saúde e a população, na ponta da prestação dos serviços não há ingerência do Poder Público.

Essa omissão ou hiato significa que hospitais, casas de saúde, laboratórios de diagnóstico, médicos e outros profissionais frequentemente deixam de receber por serviços prestados. De acordo com o Programa Farol, do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Casas de Saúde do Rio de Janeiro (Sindhrio), o índice de glosas (suspensão de pagamentos por serviços efetivamente realizados) no segmento chega a 10% do total. O certo seria o governo coibir e punir tal prática, mas a ANS alega não ter competência legal para tanto.

Mas essa não é a única questão. O setor de saúde, tanto na esfera privada quanto na pública, atua em meio a custos bem acima dos custos médios da economia. Enquanto a inflação da economia geral, medida nos últimos 12 meses, está em 6,49% pelo IPCA (índice oficial) ou 7,30% pelo IGP-M (índice que regula aluguéis), a inflação do setor aproxima-se de 17% no período.

Uma das causas da disparidade é o fato de o segmento estar permanentemente incorporando novos e mais avançados equipamentos e procedimentos. É bom que seja assim, pois a tecnologia aplicada à medicina é um dos pré-requisitos (não apenas o único) para um atendimento de qualidade ao público. Outro fator é que a rede de saúde está sempre demandando em grande escala mão de obra especializada, que precisa ser cada vez mais qualificada, capacitada e treinada a fim de lidar com as novas descobertas da ciência e operar uma tecnologia de ponta, o que custa dinheiro.

A velha máxima vale ser repetida: “saúde não tem (e nem pode ter) preço, mas medicina tem custo”, queiramos ou não.  Contraditoriamente, contudo, os serviços que instituições de saúde e profissionais independentes prestam à população não têm reposições compatíveis com esses custos. A ANS concede regulares reajustes nas tabelas dos planos de saúde. Os segurados arcam com esses aumentos. Mas, na ponta dos prestadores de serviços, não há qualquer garantia de repasse ainda que parcial desses valores. Cabe salientar que apesar disso os serviços são de qualidade.

Uma Instrução Normativa (a IN 49) da ANS orienta as operadoras a estabelecer em contrato índices de reajustes anuais com hospitais, clínicas e laboratórios. Mas, como não há fiscalização - já que a ANS afirma não ter atribuição para tanto - e as instituições de saúde estão no lado fraco dessa relação comercial, as operadoras (que concentram o financiamento diante de milhares de prestadores, detendo o poder de barganha), simplesmente ignoram a regra.
 
Entender o desprezo do Poder Público em relação ao segmento de Saúde Suplementar, de inegável relevância, conforme os dados mencionados de início, não é tarefa fácil. Recentemente o governo federal estendeu a desoneração da folha de pagamentos a dezenas de setores (alguns sem qualquer importância social ou mesmo econômica), deixando de fora os serviços médico-hospitalares. Seria um benefício que contribuiria para o equilíbrio econômico-financeiro do sistema, já pressionado pelos custos crescentes e pelo descumprimento de obrigações por parte dos planos.

O resultado dessa postura do governo é um garrote ainda mais apertado num setor que, a despeito das dificuldades, mantém-se como fiel aliado da população. A sociedade precisa estar atenta à questão!

*Fernando A. Boigues é presidente do Sindhrio – Sindicatos dos Hospitais, Clínicas e Casas de Saúde do Município do Rio de Janeiro.



‹‹ voltar