Investidores querem mais mudanças em leilão de portos

Investidores querem mais mudanças em leilão de portos

Por Daniel Rittner e Fernanda Pires | De Brasília e Santos

31/10/2013

Nelson Carlini, presidente do conselho de administração da Logz: "Não tem sentido limitar", referindo-se ao estabelecimento, pelo governo, de valores tarifários.

Os ajustes feitos pelo governo para tornar mais atrativas as licitações de novos arrendamentos no porto de Santos foram considerados insuficientes por uma série de investidores e empresas que tinham interesse na operação dos terminais. Há quem tenha ficado tão descontente que já anuncia antecipadamente sua desistência em entrar na disputa.

As minutas dos editais para os arrendamentos no maior porto do país foram encaminhadas para análise do Tribunal de Contas da União (TCU) e sofreram mudanças após a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) ter recebido mais de três mil sugestões de aperfeiçoamento das regras. Entre as principais mudanças, o governo elevou de 7% para 8% ao ano a taxa interna de retorno dos projetos, além de estender o prazo dos novos contratos para 25 anos. Antes, parte deles teria dez anos de vigência.

No entanto, foram mantidas regras que ainda causam mal-estar nas empresas. Uma das cláusulas mais contestadas é a que praticamente fecha as portas para futuros pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro pelos vencedores das licitações. "A cláusula é leonina", define o advogado Rafael Véras, sócio do escritório Firmo, Sabino e Lessa, que tem entre seus clientes uma empresa de olho no arrendamento do terminal de grãos da Ponta da Praia.

Todos os editais preveem a alocação "integral" e "exclusiva" aos futuros concessionários de riscos como desvalorizações cambiais, aumentos de impostos, mudanças nas taxas de juros, obtenção de licenças, greves trabalhistas e até manifestações sociais que interrompam a prestação de serviços nos terminais. A cláusula também foi alvo de questionamentos da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), mas o governo decidiu mantê-la. "Quem é o maluco que vai se aventurar a assumir tantos riscos não gerenciáveis?", questiona Véras.

Com essa alocação de riscos, o governo se blinda contra a possibilidade de pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, que podem resultar em extensão dos prazos de vigência dos arrendamentos ou em tarifas mais altas. Em contratos anteriores, o governo havia deixado uma fresta para esses pedidos.

No caso das rodovias privatizadas em 2007, como Fernão Dias e Régis Bittencourt, revisões extraordinárias de tarifas foram permitidas depois que prefeituras elevaram o Imposto sobre Serviços (ISS) cobrado nos pedágios. Na área de energia elétrica, a concessionária responsável pela usina de Jirau, no rio Madeira, ainda pede isenção de responsabilidade por 334 dias de atraso decorrentes de greves e de uma revolta de operários nos canteiros de obras.

O presidente do conselho de administração da Logz Logística Brasil, Nelson Carlini, faz críticas à manutenção dos percentuais a serem pagos pela garantia da proposta e do contrato, que variam de 1% a 5% sobre o valor global do arrendamento. "São altos demais", diz. A Logz tem interesse em arrendamentos em Santos e outros quatro portos, Paranaguá, Rio Grande, Belém e Suape.

Carlini critica ainda o estabelecimento, pelo governo, de valores tarifários. "Não tem sentido limitar. A concorrência e a competência intraporto e interporto é que têm de levar os preços ao nível de mercado". Nas licitações de terminais que prestam serviço, quem conceder o maior desconto tarifário vencerá o leilão.

As tarifas são consideradas, em geral, incompatíveis com o mercado. "A conta não fecha em alguns editais de Santos. É inviável financeiramente", acrescenta Ricardo Mesquita, diretor da Rodrimar, que opera um terminal de contêineres em Santos com contrato próximo a expirar.

Existem ainda reclamações específicas sobre os lotes que estão sendo licitados no maior porto do país. No Saboó, onde a intenção do governo é promover uma reestruturação que junta os terminais existentes em um único contrato, as cláusulas desanimaram algumas empresas a tal ponto que há quem já tenha jogado a toalha. "Prefiro nem entrar [na disputa]", diz Sérgio Fischer, vice-presidente de terminas e logística da Wilson Sons, que vinha estudando participar da licitação.

O novo terminal multipropósito do Saboó terá um cais total de 594 metros de extensão. Ele foi dividido em dois berços: um poderá ser usado com exclusividade pela operadora que vencer a licitação; outro será compartilhado com mais operadoras.

"Para movimentar contêineres, não faz o menor sentido como negócio", avalia Fischer. Segundo ele, o berço exclusivo tem 364 metros e sequer permite a atracação de navios New Panamax, mais modernos. Para o executivo, o problema maior nem é esse: com apenas um berço disponível em tempo integral para a movimentação de contêineres, a futura operadora do terminal fica com poucas "janelas de atracação" para negociar com os armadores (donos dos navios). Ou seja, há risco de a carga chegar a Santos e entrar numa fila de espera. Fischer lembra que outros terminais de contêineres no porto - Santos Brasil, BTP, Libra e Embraport - dispõem de até quatro berços.

O novo terminal do Saboó, depois de reconfigurada a área, vai operar também cargas rolantes, como veículos. O governo duplicou a movimentação mínima anual exigida para veículos: saiu de 104 mil unidades para 207 mil. A Deicmar, que já opera um terminal de cargas rolantes em parte da área que será relicitada e tem interesse no leilão, disse que a mudança foi insuficiente. Para a empresa, esse volume atende só a demanda atual das montadoras.

Para Gerson Foratto, diretor da Deicmar, a nova minuta repete e amplia os equívocos cometidos na versão colocada em audiência pública. A empresa pediu ao governo a suspensão da licitação, argumentando que a operação de veículos era acessória e que o terminal só passaria a ser rentável quando entrasse o contêiner. "Ao se ler os documentos e as contribuições feitas pelas empresas, percebe-se que a Antaq e a Secretaria de Portos acolheram as sugestões de outros arrendatários da região que movimentam contêineres, negligenciando mais uma vez o sistema de cargas rolantes, condenado a ser 'parte' de um terminal de contêineres."

A nova minuta recebeu uma cláusula que impede a Deicmar e a Santos Brasil de participarem do leilão. O novo texto diz que o contrato não será assinado com empresas localizadas dentro ou fora do porto organizado que tenham instalações usadas prioritariamente na movimentação ou na armazenagem de cargas rolantes. Se a proponente quiser participar, terá de entregar as áreas na hipótese de vencer o leilão. A Deicmar tem áreas externas em Santos. E a Santos Brasil opera um terminal de veículos no porto.



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