Conteúdo nacional e o papa Francisco

Conteúdo nacional e o papa Francisco

Por Sergio Barreto Motta

04/10/2013

Um dos mais festejados economistas do país, Edmar Bacha, detratou a política de conteúdo local – que consiste em uso de produtos brasileiros em grandes projetos nacionais. Disse ele, em O Globo do dia 20 de setembro: “Estão acabando com a Petrobras: não deixam reajustar o preço e a obrigam a comprar produtos com conteúdo nacional, pagando até 25% mais caro. Nem na União Soviética era assim”.

Também um respeitado engenheiro naval, Nélson Carlini, partiu para o ataque. No jornal Valor, de 10 de setembro, criticou os preços e propalada falta de espaço nos estaleiros e propôs importação de navios. Disse ele: “A saída simples seria a concessão de licença temporária (dois anos) para a importação de navios acima de 10 mil toneladas de porte bruto, até que os estaleiros nacionais fossem capazes de atender à demanda interna. Uma solução aparentemente fácil, pois depende exclusivamente de uma decisão política, e que, por tabela, estimularia a ‘ressurgente’ indústria naval brasileira a atuar num ambiente de verdadeira competição, diversificando e agregando valor aos seus produtos”.

Em relação a Bacha, deve-se dizer que até os líderes do capitalismo, como Inglaterra e Estados Unidos, adotaram medidas protecionistas, em algum momento da história, para permitir a consolidação de seus produtores internos. No caso da cabotagem, a lei norte-americana vigente, conhecida como John’s Act, é dez vezes mais protecionista do que a brasileira. Exige que a cabotagem seja operada por navios norte-americanos, tripulados por pessoal lá nascido e as empresas têm de ser puramente norte-americanas. Já no Brasil, uma empresa brasileira de capital 100% estrangeiro goza dos mesmos favores do que qualquer empresário nacional.

Quanto a Carlini, a verdade é que há espaço para navios nacionais, mas as empresas brasileiras, muitas de capital estrangeiro, apenas fingem procurar construir no Brasil, pois suas matrizes encomendaram dezenas de navios na Ásia e, com a crise pós-2008, ficaram com unidades em estoque, que acabam por empurrar para o mercado brasileiro.

Já outras empresas usam a legislação ao extremo: tendo um ou outro navio brasileiro, mesmo antigo, ganham o direito de usar navios estrangeiros alugados (afretados), o que lhes propicia lucros sem novo investimento.

Genericamente, há que se defender o conteúdo nacional, apenas tomando-se o cuidado de não permitir o estabelecimento de uma reserva de mercado que onere excessivamente os empreendimentos.

Um preço um pouco mais alto, no início, é plenamente natural e aceitável, até mesmo por economistas liberais, pois todos sabem que estaleiros que estavam com teia de aranha não iriam sair produzindo navios, no dia seguinte, para competir com sucesso no mercado mundial.

Em 2002, todos os estaleiros do país tinham 2 mil empregados – a maioria deles agentes de segurança, contratados para evitar invasões e saques em instalações sem uso. Com apoio da Transpetro, partiu-se para um plano de soerguimento que conta com capital e tecnologia estrangeiros – e essa multiplicidade é garantia de competição.

Hoje, os estaleiros estão com 74 mil empregados, com previsão de atingir 100 mil em um ou dois anos. Há estaleiros sendo criados por todo o país, reduzindo as diferenças regionais.

Cada um desses empregados é um desempregado a menos nas filas do INSS, do Bolsa Família ou do seguro-desemprego. Se alguém conseguisse comparar ganhos e perdas para a nação, o resultado talvez fosse surpreendente, pois o valor inicial mais alto de certos produtos reduziria o Custo Brasil, com a desoneração da obrigação do Estado de sustentar chefes de família desempregados.

Acresça-se que, nas contratações de navios e plataformas no exterior, os gastos com viagens são enormes; houve casos de estaleiros estrangeiros que foram à falência, obrigando a Petrobras a realocar plataformas, a custos altíssimos, em moeda forte – nunca claramente informados ao povo.

Também foram registrados casos em que a qualidade deixou a desejar, e parte da obra teve de ser refeita, fora reajustes de preços, em contratos assinados em dólares, tendo como fórum, para o caso de embates jurídicos, Londres ou Amsterdã.

O principal vem sendo reiterado pela presidente Dilma: o Brasil não quer apenas lucrar com a venda de barris de petróleo. Quer aproveitar a ocasião para montar indústria subsidiária forte e construção naval relevante, que estimulam a geração de emprego interno, a formação de técnicos de altíssimo nível e que, em futuro próximo, qualificarão o país a exportar navios e plataformas para vizinhos da América do Sul, para a África e, por que não, também para o mundo desenvolvido.

Ao presidir a contratação de duas plataformas no Rio Grande do Sul, a presidente Dilma resumiu a opção do governo quanto à polêmica sobre conteúdo local: “As plataformas vieram para ficar. O Brasil conseguiu escapar da maldição do petróleo, que cria países ricos, com povo pobre”.

Este artigo estava sendo alinhavado quando, no dia 22 de setembro, o Papa Francisco fez um pronunciamento a favor de um sistema econômico justo e resumiu seu pensamento em uma frase, que se encaixa na política de geração de emprego no mercado interno: “Onde não há trabalho não existe dignidade.”

Ariovaldo Rocha

Presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), escreve nesta página na primeira sexta-feira do mês.



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