Um acordo, muitas dúvidas

 

Artigo da Meta Consultoria e Comunicação Ltda
__________________________________________________________________

 

 Um acordo, muitas dúvidas

Nilson Mello*

O pacote de 6,7 bilhões de euros firmado entre Brasil e França para a construção de quatro submarinos convencionais e mais um casco de grande porte a ser utilizado no futuro submarino nuclear brasileiro gera uma série de dúvidas devido aos altos valores envolvidos. De acordo com o Diário Oficial (12/08/09), do valor total do “pacote”, 1,8 bilhão de euros seriam destinados à construção de um estaleiro e uma base de submarinos em Sepetiba (RJ).

Essas obras estariam a cargo da Odebrecht que, segundo o Ministério da Defesa, foi incluída no “pacote” pelo parceiro francês, a fabricante de submarinos DCNS. Por essa razão, diz o Ministério, a escolha pôde ser feita sem licitação. As dúvidas não param nessa preferência.

Se descontados do valor total do pacote, os recursos destinados à nova base e ao novo estaleiro (1,8 bi de euros), restariam para a construção efetiva dos quatros submarinos convencionais Scorpène e do casco de grande porte para receber o reator nuclear brasileiro exatamente 4,9 bilhões de euros.

    Mas sabe-se que quatro submarinos convencionais do porte do Scorpène custam, em conjunto, cerca de 1,4 bilhão de euros (350 milhões cada, aproximadamente). Esses valores são parâmetros de mercado, reconhecidos pela Marinha.

Sabe-se também que um submarino nuclear completo (com reator e não apenas um casco de grande porte, como prevê o pacote) custaria cerca de 1,4 bi de euros. O parâmetro, no caso, é o submarino nuclear francês Barracuda, também da DCNS e em construção há vários anos.

As incoerências dos valores são visíveis. Ora, se quatro submarinos convencionais custam 1,4 bilhão de euros; se um submarino nuclear completo (e não apenas um casco para receber um reator) custa outro 1,4 bilhão; e se a nova base e o novo estaleiro da Odebrecht custam 1,8 bilhão de euros, isso significa que sobram 2,1 bilhões desse pacote França-Brasil que não estão devidamente explicados e poderiam ser objeto de questionamento por aludir a um possível sobrepreço.

Outras incoerências são indisfarçáveis. O Ministério da Defesa não esclareceu ao contribuinte que o Acordo França-Brasil veda qualquer transferência na área de tecnologia nuclear, por força de tratados internacionais. Disse, apenas, que a França estava sendo escolhida “porque fabrica submarinos nucleares e convencionais”. E que o pacote garantiria ao Brasil um submarino de propulsão nuclear.

O submarino nuclear brasileiro, na verdade, depende da construção de um reator nuclear brasileiro, o que teria que ser feito sem qualquer transferência de tecnologia.  Esse reator estaria em construção no Programa Aramar, mas pouco se sabe sobre seu cronograma. Especialistas estimam que sua conclusão poderá levar uma década ou mais.

Assim, soa como engodo chamar de programa do submarino nuclear brasileiro - como a Defesa já o fez e a imprensa repetiu - esse vultoso acordo de 6,7 bilhões de euros. Pois, como visto, o pacote não entrega, apesar do valor elevado, submarino nuclear algum. Mais grave: do valor total do desembolso, como mostrado, o destino de 2,1 bilhões de euros permanece obscuro.

 No que toca a construção da base e do estaleiro, o acordo prevê que esse será operado, mais tarde, pela empreiteira que o construirá, em consórcio com a própria DCNS, devendo ser utilizado também em contratos civis. E aqui não se entra sequer no mérito se o estaleiro e a base, contratados sem licitação, estariam ou não com preços competitivos – ignorando, portanto, o conhecido retrospecto das relações que o Estado brasileiro mantém com empreiteiras.

Sabe-se, contudo, que o Estaleiro Atlântico Sul, recém-inaugurado em Suape (PE), custou bem menos do que isso. Estaleiros como o Atlântico Sul fabricam plataformas de 35 mil toneladas; o estaleiro de Itaguaí construirá submarinos de até 12 mil toneladas, no máximo. E, pelas razões vistas, sequer é o caso de creditar o alto valor a uma suposta transferência de tecnologia nuclear.

 Acrescente-se às dúvidas o fato de o submarino francês Scorpène não ser propriamente um sucesso comercial, tendo apenas três unidades em operação no mundo (uma na Malásia e duas no Chile), enquanto concorrentes diretos têm mais de 20 unidades em operação. Ressalte-se que, embora o Scorpène seja fabricado por uma empresa francesa, jamais equipou a Marinha da França, ou qualquer outra da OTAN. Seu fabricante admitiu, na imprensa especializada, tratar-se de modelo obsoleto.

À luz desses questionamentos, o “pacote” para construção de submarinos mereceria um pouco mais de debate por parte da sociedade. Com as devidas explicações por parte do governo.


*Diretor da Meta Consultoria e Comunicação".

PREZADO LEITOR, SEUS COMENTÁRIOS, SUGESTÕES E CONTRIBUIÇÃO SÃO BEM VINDOS.

Meta Consultoria e Comunicação Ltda.
www.metaconsultoria.com.br
Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.
tel/fax: 5521-2262-2291




‹‹ voltar