O (mau) humor da economia na era Dilma

O (mau) humor da economia na era Dilma

Por Nilson Mello

22/08/2014


A alegação de que o Brasil precisou afrouxar o controle da inflação, deixando os índices fugirem do centro da meta para que o país não fosse contaminado pela crise, em meio a um ambiente externo adverso, não resiste a uma análise honesta. Não obstante, a desculpa vem sendo repetida com despudorada regularidade por economistas e analistas próximos ao PT e ao Planalto, sobretudo agora que a campanha eleitoral – amplificada pelo horário gratuito na TV e no rádio – pode colocar em evidência o fraco desempenho da gestão Dilma Rousseff.

Num mar de indicadores preocupantes, há até uma boa notícia, mas ela não deve alimentar ilusões. Se a inflação recentemente tem cedido, praticamente sem alta dos preços no último mês (em julho, 0,01%), o “feito” não pode ser atribuído à ação daqueles que respondem pela condução econômica, e tampouco pode ser visto como vitória perene. Ao contrário, é fruto do fracasso do modelo macroeconômico que engendraram (entusiasticamente batizado de “nova matriz”), que levou o país à beira de uma recessão.

O ritmo de alta de preços arrefeceu porque o endividamento esgotou a capacidade de consumo, mola propulsora da “matriz”. Mas o alívio é provisório porque as expectativas continuam a alimentar inflação futura, sobretudo porque os preços administrados – energia, transportes e combustível – foram represados e, mais cedo ou mais tarde, certamente depois das eleições, terão que ser liberados. Eis porque a FGV projeta inflação de 7,2% nos próximos 12 meses, acima, portanto, do teto da meta (de 6,5%), que deve ser o índice ao final deste ano. O desequilíbrio permanece.

Países emergentes, em condições similares à do Brasil, têm apresentado melhores indicadores de crescimento – e com índices de inflação em geral mais baixos, salvo os casos de Índia e África do Sul. O ambiente externo, por óbvio, é idêntico ao enfrentado pelo Brasil. Adotaram, porém, uma política econômica centrada na sustentabilidade e no equilíbrio, o que pressupõe um mínimo de rigor fiscal, ou seja, adequada gestão dos gastos públicos. Não fizeram arranjos experimentalistas, como a nossa “nova matriz macroeconômica”.

De acordo com o Banco Mundial, os países emergentes deverão crescer em média 4,8% em 2014 e 5,4% em 2015 . A média de crescimento do mundo – que considera os países desenvolvidos e por isso com taxa de crescimento inferior, e os países menos desenvolvidos e por isso com potencial de avanço igualmente menor – deve ser 2,8%. A projeção de crescimento para o Brasil em 2015 era de 1,50%, inferior à média mundial, mas já foi revista para 1,20%, de acordo com o último Boletim Focus, do Banco Central. Em 2014, o PIB brasileiro deverá crescer 0,81%, com retração no setor industrial (-1,53%). A média de crescimento do PIB no atual governo é de 2%, contra 4% no governo Lula – marcado por uma continuidade na política econômica, imune à “criatividade econômica” - e 2,3% do governo FHC. A média de Dilma só está acima do período 1990-1994 (1,24%)

Desde sua posse em 2011, o atual governo entendeu que deveria se ocupar do crescimento, e que para tanto deveria promover um forte afrouxamento da política monetária (redução da taxa básica de juros) e, ao mesmo tempo, manter a expansão do crédito, de forma a anular ou atenuar os efeitos da crise global iniciada em 2008/2009. O aumento do consumo, decorrente desses estímulos, seria a locomotiva do crescimento, puxando o setor produtivo. Paralelamente, seguiu ampliando os gastos públicos.

O resultado da alquimia explosiva foi, a partir de então, o aumento persistente dos índices de preços, resultado de demanda maior sem a contrapartida na elevação de oferta de produtos e serviços. As pressões se mantiveram até que, em abril do ano passado, na iminência de um novo descontrole inflacionário, o Banco Central deu início a um ciclo de retomada da taxa básica de juros. De 7,25% a taxa passou para 11%, patamar atual, sem espaço para redução diante de uma política fiscal expansionista (gastos públicos) e do reiterado estímulo ao crédito.

Esta semana, o governo baixou novo pacote neste sentido, num sinal contraditório de sua política econômica: de um lado, mantém os juros elevados, de outro, reduz o compulsório dos bancos e abre novas linhas de financiamento. De qualquer forma, o aumento do crédito surtirá pouco efeito, tendo em vista um endividamento alto, com sinais de inadimplência. O governo também não reduziu despesas – o que era previsível num ano eleitoral – comprometendo ainda mais um cenário que já é de incertezas.

O superávit fiscal do ano (a economia para o pagamento de juros da dívida), cuja meta era de 1,9%, deve ficar em 1%. Ressalte-se que essa meta era inferior a todas as estabelecidas nos últimos 14 anos. A dívida pública subiu de 58% para 59% e a líquida, de 34,6% para 34,9% no ano. Com um quadro tão degradado nas contas públicas e com a manutenção da expansão do crédito, a política monetária precisa necessariamente ser mais austera. Economia com juro alto é ruim, mas com inflação descontrolada é pior ainda. Não é por outra razão que já se projeta uma taxa Selic 12% em 2015, a maior desde agosto de 2011.

Numa economia já ineficiente em razão de seus altos custos de produção, representados por uma infraestrutura precária (para não dizer obsoleta), com portos, aeroportos, rodovias e ferrovias no limite de sua capacidade, uma pesada tributação, que funciona como lastro para o setor produtivo e um elevado grau de burocracia, que subtrai o que ainda pode restar de agilidade nas empresas, uma forte expansão de demanda, sem a contrapartida de um gradual e consistente aumento da oferta, só pode levar a um impasse macroeconômico, cujo maior sintoma é a pressão sobre os preços.

O que todos já perceberam – menos o governo – é que o problema do crescimento brasileiro não está relacionado à demanda, mas, sim à oferta. O maior gargalo está na capacidade de produção. Seria preciso aumentar os investimentos. A questão é que, com tantas incertezas, a taxa de investimento também despencou, como revelam dados recentes. O maior desafio do próximo governo (ainda que seja o mesmo, reeleito) será, portanto, o resgate da credibilidade na área econômica. Uma missão hercúlea, haja vista o desmonte dos últimos quatro anos.

 

 



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