Momento de lucidez

 

Momento de lucidez

 

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Guardião das Leis e da democracia.

Por Nilson Mello
20/09/2013

  Ao contrário do que muitos pensam, o encontro com Deus – aqui compreendido no mais amplo conceito filosófico e não apenas em alegorias religiosas – dá-se pelo exercício da razão, não pela emoção. O conceito amplo significa o encontro com a verdade e com a boa-fé, o respeito aos princípios éticos e morais. E é nesse entendimento conceitual que até um ateu pode chegar a Deus.

  Não há boa-fé nas atitudes apaixonadas, movidas pela emoção, justamente porque elas anulam a razão.
Nessas últimas semanas, até quarta-feira passada, quando o voto de minerva do decano do Supremo, ministro Celso de Mello, garantiu cabimento aos embargos infringentes, era visível na sociedade o desejo de punir os condenados na Ação Penal 470 a qualquer preço, a despeito do que estabelece o ordenamento jurídico em vigor.

  Mas o fato irrecorrível é que os embargos infringentes, razão das discussões, são claramente cabíveis no Supremo, e qualquer leigo em assuntos jurídicos pode chegar a essa conclusão mediante uma pesquisa honesta à jurisprudência e à legislação. Não se trata de mera filigrana jurídica, ou de avaliação subjetiva com espaço para variada interpretação, mas de análise isenta e objetiva da Lei.

  A única razão que pode explicar a rejeição do recurso por cinco ministros do Tribunal é a emoção, ou seja, a certeza de que os condenados merecem uma punição rápida e exemplar, pela infâmia de seus crimes em prejuízo de uma sociedade que, reconheçamos, chegou ao limite da tolerância com a corrupção e os desvios políticos de toda espécie.

  Os votos pela rejeição foram, assim, de caráter político, não eminentemente jurídico. Neste sentido, o voto do ministro Gilmar Mendes foi de uma contundência impressionante. Ocorre, contudo, que o Supremo, por ser guardião da Constituição e da própria democracia brasileira, não pode cair na tentação de um julgamento político, de exceção.

  Ao reconhecer o cabimento dos embargos a despeito de uma gigantesca pressão política, inclusive dos órgãos de imprensa, que não se deram ao trabalho de fazer a necessária avaliação técnica da questão, o ministro Celso de Mello reconduziu o julgamento do mensalão para os parâmetros da razão, restabelecendo garantias legais que constituem o freio às seduções totalitárias.

  Sim, porque hoje, quem está em julgamento no Supremo, pode ser nossos inimigos, mas amanhã, um de nós, inocente, poderá estar sendo julgado e condenado ao arrepio da Lei, por razões políticas. A estrita observância da Lei é o salvo conduto das democracias. Que não a percamos de vista.

  Não há dúvida que nossa legislação é imperfeita (como, aliás, todas o são) e merece reparos e reformas, sobretudo nos aspectos processuais com margem para condutas protelatórias incompatíveis com uma sociedade que se quer justa. Mas, se as regras são ruins, que as mudemos e aperfeiçoemos por meio dos mecanismos existentes para tanto.

  Ignorá-las em meio a um julgamento, por mais abomináveis que possam ser os réus, é de um casuísmo autoritário inadmissível, em especial para um país que se esforça para consolidar suas instituições políticas. O momento é de lucidez. Razão no lugar das paixões.

 



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