Uma picuinha na saúde?

Uma picuinha na saúde?

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Por Nilson Mello

19/07/2013

 

  O improviso que “regeu” a política econômica nos últimos dois anos - e que resultou num ambiente perverso de inflação com baixo crescimento - tem agora um paralelo no pacote do governo para a área da saúde.

  No Programa Mais Médicos, representado pela Medida Provisória (mais uma) 621, o governo atira a esmo, a partir de baterias a serem operadas pelos Ministérios da Saúde e da Educação. A aposta na importação de médicos é apenas um sintoma da incoerência que paira sobre o setor.

  Ainda que reconheçamos a relação desfavorável entre número de habitantes e número de médicos nas regiões mais pobres do país, a importação tira o foco dos verdadeiros entraves: a falta de estrutura e a falta de incentivo para que os profissionais deixem os centros urbanos.

  Para a estrutura deficiente da rede pública, algo que prevalece também nas cidades e regiões mais ricas, a solução estaria no aumento dos investimentos e, sobretudo, na melhor gestão dos recursos materiais e humanos já disponíveis. Porém, esse choque de gestão, tão necessário para por fim aos desperdícios com o dinheiro público, não se tem pista de como o governo pretende materializá-lo.

  No que toca a atração de profissionais para as áreas menos favorecidas, o razoável seria estabelecer estímulos por meio de programas que contemplassem não apenas aspectos financeiros como o aperfeiçoamento técnico e profissional. Por que dar estímulo aos estrangeiros antes de criar incentivos adequados para que os médicos brasileiros se desloquem para o interior?

  A sensação é que o governo decidiu colocar o médico como culpado pelas mazelas da saúde e entrou em guerra com a categoria. O embate tem muito do preconceito ideológico. O fato de o médico ser um profissional liberal que, nos grandes centros, consegue auferir ganhos financeiros bem acima dos da média dos trabalhadores, atuando livre de vínculos, com certeza tem forte influência nas políticas elucubradas pelos tecnocratas nos gabinetes de Brasília.

  Num reflexo dessa “guerrinha”, esta semana o governo mandou a Polícia Federal agir para verificar se está havendo um boicote ao projeto que prevê a seleção de dez mil profissionais para atuar no SUS em cidades do interior. Mais de 11 mil médicos se inscreveram, mas o governo teme que eles desistirão em seguida apenas para esvaziar e boicotar o seu programa. É preciso ser muito paranoico para acreditar que milhares de profissionais perderiam seu precioso tempo para dar uma lição no governo – por mais que a lição possa ser merecida.

  A MP do Programa estabelece que os Ministérios da Educação e da Saúde vão definir onde podem ser abertas Faculdades de Medicina. Não será, portanto, a demanda nem a liberdade de escolha do interessado que orientará a oferta, mas o planejamento central. Sintomático.

  A ideia é restringir o surgimento de novos cursos no Sul e Sudeste e ao mesmo tempo estimular a implantação de instituições no Norte e no Nordeste, em especial em cidades menos favorecidas, a fim de atrair profissionais para o interior.

  A medida soa demagógica porque são as condições de trabalho (salários inclusos) que fixam o profissional, e não a existência de uma universidade. Se as condições não forem boas, o recém-formado, não importa onde esteja, parte em busca de melhores oportunidades.

  Como se sabe, o pacote também institui o serviço civil obrigatório para os médicos, distinguindo-os de todas as demais categorias profissionais, num tratamento assimétrico passível de questionamento legal. Pela regra, todo médico seria obrigado a cumprir dois anos de trabalho na rede pública já após o término da residência.

  O diploma, portanto, só seria concedido após oito anos de formação: quatro do curso regular, dois da residência e mais dois do serviço civil obrigatório. Neste caso, é difícil entender onde está a lógica, pois, se o problema é a falta de médicos, por que retardar o seu pleno ingresso no mercado, com diploma na mão?

  A Associação Brasileira de Educação Médica, bem mais realista, sugere que o governo crie vagas de residência médica para todo o universo de formandos e as distribua pelo país, de acordo com as necessidades regionais. Para a entidade, os dois anos adicionais de formação, decorrentes do serviço civil obrigatório, são redundantes do ponto de vista curricular.

  É até possível que o governo acate a sugestão da associação. Se usar o bom senso. E deixar a picuinha de lado. Enquanto isso, a MP já está no Congresso.


A conferir: PhD por Harvard e ex-presidente do BC, Francisco Lopes contesta, em artigo esta semana no jornal Valor Econômico, aqueles que, segundo ele, são “pessimistas”. Aposta que a taxa de crescimento, em quatro trimestres, do PIB do segundo trimestre, ficará perto de 4%. E adverte: “(...) ninguém pode desejar que o pessimismo de hoje venha a afetar negativamente decisões empresariais de produzir e investir”. Detalhe: o próprio governo já trabalha com um PIB ao redor (e para menos) de 2% em 2013, prevendo um terceiro trimestre de desempenho muito fraco. A taxa média de crescimento no biênio 2011-2012 foi de 1,8%. Com o BC precisando calibrar na política monetária (juro), para conter a alta dos preços, sobretudo considerando a desvalorização cambial, as previsões de crescimento tendem naturalmente a ser mais modestas. A ação tardia no combate à inflação tem sempre um custo maior. E seus resultados são incertos.

Em tempo: A presidente Dilma Rousseff acha que é “um desrespeito com os dados” falar em descontrole inflacionário. Mas se a inflação persiste em patamares acima não apenas do centro da meta (que é de 4,5%), mas do teto da meta (de 6,5%), batendo 6,7% em junho, no acumulado de 12 anos, devemos dizer que a inflação está comportada? A taxa média de inflação nos últimos dois anos foi de 6,2% (IPCA).

 



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