Tá dominado (ou a flexibilidade moral)
Stand by: Afif Domingos se vê como um estepe político
Nilson Mello
10/05/2013
O recém-empossado secretário nacional da Micro e Pequena Empresa, cargo com status de ministro, era um político reconhecido como de orientação liberal, na correta acepção do termo (a acepção britânica, se preferirem), ou seja, alguém que defende a liberdade individual com respeito incondicional à Lei, o pleno espaço para o empreendedorismo e, por extensão a tudo isso, a menor interferência estatal possível nas relações econômicas como fatores de desenvolvimento.
Muito bem, é difícil dizer se o vice-governador de São Paulo e agora também, cumulativamente, titular do 39ª Ministério criado por Dilma Rousseff, estava sendo autêntico ou meramente oportunista, mas o fato é que Guilherme Afif Domingos presidiu a Associação Comercial de São Paulo por duas vezes, foi deputado constituinte, secretário estadual em mais de uma pasta, em diferentes gestões, e fundou o Partido Liberal, além de ter exercido outros cargos eletivos e executivos de relevância, não exatamente nesta ordem, sempre em função da defesa do mesmo, digamos, ideário político. Um dos pontos marcantes dessa trajetória, que lhe valeu certa projeção nacional, ocorreu há mais de duas décadas, quando Afif se candidatou à Presidência da República em meio a um amplo espectro político que tinha no extremo oposto o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, então na sua primeira tentativa de chegar ao Poder. Na época, Lula era o “sapo barbudo” - conforme apelido cunhado por outro concorrente ao Planalto – que ostentava uma retórica de esquerda contrária à livre iniciativa defendida pelas teses liberais. A retórica de Lula, como sabemos, foi sendo pragmaticamente abrandada até ser deixada de lado para que o PT finalmente chegasse à vitória na campanha de 2000. Lição feita: pela via democrática, o radicalismo não alcança o Poder. Não parou aí: o próprio programa de governo nos dois primeiros mandatos petista foi alterado para dar sequência à política econômica da “social-democracia” tucana, garantindo a estabilidade de preços, o crescimento sustentável e a consequente melhoria da renda, conquistas hoje colocadas em xeque pelos impulsos criativos da gestão Dilma Rousseff, e em especial de seu ministro da Fazenda.
Ponto para a incongruência, dúvida quanto o retrocesso. Vale notar que o programa econômico tucano, centrado na defesa da moeda (combate à inflação) e na responsabilidade fiscal, tinha nítida inspiração liberal. Não sei se os tucanos são moralmente superiores, mas, com certeza, são tecnicamente mais qualificados. Afif Domingos, hoje no híbrido PSD do politicamente ambíguo Gilberto Kassab (com licença para as adjetivações), aliado do PSDB e do PT ao mesmo tempo, pertenceu ao PDS, herdeiro da Arena, e ao PP de Paulo Maluf, esse também um neo-aliado petista. Com o respaldo de sua legenda, agora passa a contribuir para o projeto de reeleição de Dilma Rousseff. Há duas formas de se ler esses movimentos, tendo em vista a perspectiva histórica sumariamente referida aqui. A primeira é positiva e entende que a conciliação de oponentes e a convergência de ideias na política brasileira revelam um genuíno amadurecimento da classe política no interesse da sociedade e na busca do que é melhor para o país. A guinada de Lula na gestão econômica, mencionada acima, contradizendo tudo o que o PT pregava, reforçaria essa leitura benevolente? A segunda leitura é desalentadora: as alianças têm como real e único objetivo a partilha da máquina pública e a sua transformação em mero butim, atendendo a interesses privados, embora sob o manto de agremiações políticas (partidos). Aqui, há ainda uma interpretação subjacente. O fatiamento da máquina pública compra o engajamento de adversários, em troca da perpetuação no Poder. Os adversários cooptados são úteis, embora não sejam inocentes. Ser oposição para quê, se o adesismo tudo provê? Retomemos a reflexão inicial. Ideias e teses podem ser boas e os homens, ruins. No Brasil, teses de inspiração liberal sempre padeceram (raras as exceções), de bons defensores, sejam eles políticos ou partidos. E por isso sempre estiveram associadas ao oportunismo, para dizer o mínimo. O fato de ter pouco ou nenhum apelo popular, pois a rigor se opõem a qualquer forma de assistencialismo, também as lançaram no estigma.
Afif Domingos avisou que não vê incompatibilidade em acumular o cargo de ministro com o de vice-governador de São Paulo. Disse que só renuncia se a Justiça mandar, porque para ele “vice já é licenciado, um stand by” – ou um estepe político, se preferirem. Espírito público, no Brasil, é isso.
Em tempo: Ao ser questionada se um 39º Ministério não seria um sinal de inchaço da máquina, presidente Dilma Rousseff respondeu que primeiro aumenta o governo para depois diminuir. Como ela chegou à Presidência com aura de boa gerente, torcemos para que esteja certa, a despeito de todos os indícios em contrário.
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