Mais reflexão especulativa

 

Mais reflexão especulativa

Nilson Mello

 

Pode parecer absurdo, sobretudo para aqueles que preferem ater-se mais à forma que à essência, mas o Direito - entendido pelo senso de Justiça - implica que o indivíduo tenha a capacidade de se rebelar. A noção de desobediência civil, nascida com o Iluminismo do século XVIII (e posta em prática de maneira emblemática por Gandhi no século XX), tem aí a sua origem.

 

Como obedecer a uma Lei que não é justa? Somos obrigados a cumprir aquilo que não parece o mais correto, embora imposto pelo Poder Público a quem devemos obediência? O Poder Público é formalmente legítimo, mas isso não quer dizer que seja justo. Se não é justo, não será, no final das contas, legítimo.

 

A ideia de Democracia tende a afastar esse conflito – perceptível entre o cidadão, ávido por guarnecer seu campo de liberdade individual, e o Estado, “encarregado” de promover o bem-estar coletivo – na medida em que a legitimidade dos governos provém daqueles que serão destinatários de suas normas. As políticas de Estado corresponderiam assim aos anseios de seus cidadãos.

 

Aqueles que escolhemos para nos governar estabelecerão as regras necessárias ao nosso convívio pacífico, à regulação de nossas relações comerciais, à resolução de nossos litígios etc. O problema não é simples, pois nada garante que a vontade da maioria – que é o princípio basilar da democracia – realizará, de fato, a tarefa a contento. No caso brasileiro, percebemos que não tem realizado.

 

Aqui retomamos a questão que motivou o artigo de ontem deste Blog. Para que a sociedade seja justa, não basta apenas que suas leis e instituições sejam democráticas – formalmente democráticas.

 

Será preciso, também, como pressuposto, que tais leis e instituições sejam inspiradas ou respaldadas por valores fundamentais orientadores, aceitos e reconhecidos por todos. Quando o pressuposto não está presente, leis e instituições podem até ser formalmente “boas” (embora muitas vezes não o sejam), mas não serão suficientes para tornar essa sociedade justa e próspera.

 

A crise brasileira, portanto, é de valores. A educação em sentido amplo, ou seja, abrangendo aspectos

éticos, cívicos (urbanidade), poderá um dia resolver o problema. Até porque não podemos ceder à tentação da desobediência civil aludida no início deste texto - dados os seus efeitos colaterais e também o risco de retornarmos à estaca zero. A solução, portanto, demandará tempo, e requer que, em algum momento, aqueles que estão à frente dessa democracia formal imperfeita tomem a iniciativa.

 

E isso é justamente o mais difícil.

 

 

 



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