Um estímulo à cabotagem brasileira

Um estímulo à cabotagem brasileira

Nelson L. Carlini*
 
 No momento em que o país oportunamente aperfeiçoou o marco regulatório portuário, visando a dar novo impulso aos investimentos privados no setor, convém não perdermos de vista outro importante entrave ao nosso desenvolvimento.

 Refiro-me à cabotagem brasileira, a navegação entre portos nacionais, que hoje responde por menos 2% de nosso modal de transporte, uma participação muito aquém do que já foi no passado e incompatível com as características de um país continental, em cujo litoral, de 7.408 km de extensão, debruça-se grande parte dos principais estados produtores e os maiores mercados consumidores.

 Ressalte-se que contamos com mais de 30 portos e terminais especializados distribuídos por todos os estados litorâneos, um fator que por si só garante capilaridade e facilitaria a ampla movimentação de cargas por todo o território nacional, sobretudo se forem providos de uma adequada integração intermodal.

 Contudo, não obstante esses diferenciais, que poderiam proporcionar redução de custos e maior agilidade e eficiência à cadeia produtiva, não temos dado o correto estímulo à cabotagem. A omissão é ainda maior se considerarmos que a rede rodoviária, principal sistema logístico nacional, responsável por 56% da carga transportada no país, é mais onerosa e implica maior passivo ambiental, além de ainda apresentar significativas deficiências.

 A despeito de o país contar com quase 1,8 milhão de km de estradas, apenas 96.353 km são pavimentados. Desses, pouco mais de 30% se encontram em bom estado de conservação e apenas 10% são auto-estradas. O mais grave, porém, é o fato de a malha rodoviária ter uma distribuição desigual, fortemente concentrada nas regiões Sudeste e Sul, dificultando e aumentando os custos para o escoamento de estados produtores em outras regiões.

 Cabe dizer que o sistema rodoviário, ainda que possa e deva ser aperfeiçoado, como, de fato, o governo vem procurando fazer por meio de novas concessões, jamais será a alternativa mais indicada do ponto de vista econômico e ambiental para a movimentação de carga interna num país com as dimensões do Brasil.

 O modal ferroviário, por sua vez, aumentou significativamente a sua participação na matriz de transporte, passando de 19% em 1999 para mais de 25% nos dias de hoje, mas o seu melhor aproveitamento para a movimentação interna de cargas também está condicionado a um correto aproveitamento da navegação de cabotagem.

 Neste aspecto, é oportuno salientar que o desenvolvimento da navegação entre portos nacionais conjugado a programas destinados a expandir e aperfeiçoar a integração intermodal, ainda muito incipiente, imprimiria um grande dinamismo a todo o sistema logístico brasileiro, hoje ainda oneroso e ineficiente.

 A questão então é saber o que será preciso fazer para dar impulso à cabotagem. Algumas conquistas em direção ao desenvolvimento do setor e maior abertura para investimentos e novas empresas vêm sendo realizadas, mas ainda sem o pleno efeito desejado de expansão vigorosa.

 Façamos uma breve análise da legislação pertinente.

 As autorizações para o funcionamento de Empresas Brasileiras de Navegação dependem apenas da criação de empresa no Brasil, não havendo restrições no que diz respeito à nacionalidade do empresário nem da origem do capital. Esta foi uma bem-vinda liberalidade em relação às legislações de outros países.

 A Legislação vigente garante a abertura do setor a todas as empresas brasileiras que desejem investir, não sendo permitida – o que é razoável do ponto de vista econômico e estratégico – a abertura do mercado doméstico às empresas estrangeiras. Não há limitações de atuação de uma Empresa cuja razão social preconize a navegação marítima entre seus objetivos, apenas é exigido capital mínimo estipulado para o tipo de navegação que se pretende explorar: de apoio portuário, de apoio marítimo, de interior, de cabotagem ou de longo curso, e ainda compromisso de aquisição de embarcação passível de receber a Bandeira Brasileira.

 Muito bem, eis aí o nó górdio que devemos desatar. A verdadeira restrição para o desenvolvimento da cabotagem são as limitações decorrentes da situação do mercado de aquisição de embarcações, que devem ser adquiridas no mercado interno. O problema é agravado pelo fato de os estaleiros nacionais estarem ocupados com as encomendas da Petrobrás e do segmento de oil & gás.

 A escassez de mão de obra brasileira certificada e qualificada agrava o problema. A saída seria a importação dos navios para atuarem com a Bandeira Brasileira, mas a tributação que incide na importação (54%, representados por ICMS + IPI+II) é pesada e inviabiliza os investimentos.

 A regulamentação crescente do transporte rodoviário, a melhoria das condições nos Portos e a descentralização dos pontos de embarque alavancada pelo novo surto de investimentos que se seguirá ao novo marco regulatório dos portos certamente dará um impulso à nossa navegação doméstica, desde que se garanta uma alternativa para a sua expansão.

 A saída simples seria a concessão de licença temporária (dois anos) para a importação de navios acima de 10 mil toneladas de Porte Bruto, até que os estaleiros nacionais fossem capazes de atender à demanda interna. Uma solução aparentemente fácil, pois depende exclusivamente de uma decisão política, e que, por tabela estimularia a “ressurgente” indústria naval brasileira a atuar num ambiente de verdadeira competição, diversificando e agregando valor aos seus produtos.

 Como o governo tem-se esforçado para enxergar com lucidez a questão dos portos, não nos custa acreditar que também possa lançar um olhar prático e objetivo para a cabotagem, tomando a decisão certa em prol da economia brasileira.
 
* Nelson L. Carlini é engenheiro naval e presidente do Conselho Administrativo da Logz Logística Brasil SA



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