A realidade vence a ideologia |
A realidade vence a ideologia Por Nilson Mello Medidas recentes, não combinadas, mas coincidentes, e adotadas em diferentes graus pelos governos do Brasil e da França mostram que não pode haver gestão eficaz na economia com subordinação à ideologia. Nem o Planalto nem o Elysée virão a público reconhecer com todas as letras que erraram ou abjurarão os seus impulsos heterodoxos no campo econômico, mas a realidade dos fatos é mais contundente do que qualquer retórica palaciana. Ainda que, tanto lá quanto aqui, mas, sobretudo aqui, onde a demagogia exerce maior sedução sobre o eleitor, as recaídas sejam sempre possíveis e mesmo prováveis, a inflexão é digna de nota. Ressalve-se que, no Brasil, a rigor, a referida medida não chega a ser uma mudança de rumo, mas apenas atestado de equívoco. Na França, o socialista François Hollande lançou um pacote fiscal que prevê o corte de 50 bilhões de euros em despesas públicas, além de redução de encargos das empresas num total de 30 bilhões de euros até 2017. O plano tem o objetivo de reativar a economia francesa e gerar novos postos de trabalho, a fim de estimular o crescimento, hoje pífio, e reverter a preocupante taxa de desemprego de 11%. Quando tomou posse, em 2012, Hollande dizia que a austeridade não deveria ser uma receita obrigatória para a França e a Europa, mergulhada em crise, apostando no aumento dos gastos públicos como forma de impulsionar a economia. Assim como outros dirigentes de orientação socialista, o governo Hollande confundia programas de inspiração keynesiana, ou medidas de caráter anticíclico, com irresponsabilidade fiscal. Alguma semelhança com os trópicos? A sua guinada pode ser vista como o reconhecimento implícito de uma verdade irretorquível: quem agrega valor e gera riquezas não é o Estado, mas a sociedade, por meio dos indivíduos e das empresas. Só que, para gerar valor, empresas e indivíduos não podem estar sufocados pela sofreguidão tributária de um Estado opulento. Ancore: Alguma semelhança com os tópicos? Bombardeado pelos partidos de esquerda que o apoiam e o elegeram, entre eles o Partido Comunista Francês, acusado de se render ao liberalismo, Hollande defendeu-se com lucidez: “o que estava em jogo era o futuro da França, não o de uma ideologia”. O liberalismo deve ter lá muitos pecados, mas colocam em sua conta os vícios que, na verdade, são do ativismo estatal irresponsável. Ao contrário do que escreveu o mais proeminente articulista da imprensa brasileira na semana passada, o que levou a Grécia à bancarrota não foram as regras de mercado, mas, sim, programas de governo que as ignoram, assim como políticas que ignoram a correta gestão das contas públicas. No Brasil, a ideologia levou o governo Dilma Rousseff a uma condução econômica arriscada, em que políticas monetária e fiscal eram incompatíveis. Em nome de um crescimento econômico que não veio, justamente porque faltou eficiência e estabilidade, os gastos públicos foram mantidos altos, ampliou-se o estimulo ao crédito, ao mesmo tempo em que se reduziam as taxas de juros. No governo Lula, a expansão dos gastos era compensada por uma política monetária restritiva. Sua sucessora inovou, combinando expansão fiscal com alívio nos juros. Uma inflação persistentemente alta foi o resultado da heterodoxia. Agora, para segurar a inflação e melhorar as expectativas dos agentes econômicos, o Banco Central é obrigado a apertar ainda mais os juros – elevou a taxa em 0,5% esta semana, para 10,5% ao ano. Não é que se queira juros altos, mas muito pior é uma inflação sem controle. É preciso prova mais contundente de que o governo não sabe o que faz na economia? Em tempo: Casanova – Muito mais inusitada do que a mudança na política econômica francesa, foi a revelação de que o presidente François Hollande é um mulherengo inveterado. Afinal, il n`as pas de tout le physique du rôle.
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